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sexta-feira, 6 de março de 2009

Refrão

 Lá em Santa Teresa

Lá em Santa Teresa

De novo

Lá em Santa Teresa

Eu quero ouvir

Lá em Santa Teresa

Lá em Santa Teresa

Todo Mundo

Lá em Santa Teresa

Em Santa Teresa

Em Santa Teresa

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

CONTO DE TERROR

Cenário de faroeste americano. Chão arenoso, terreno árido. Somente uma porta daquelas de vaivém que não vai nem vem pois está quebrada. Chega um casal vestido com roupas de hoje em dia.

Ela – ufa.

Ele – até que enfim chegamos.

Ela – mas chegamos onde?

Ele – não sei só sei que chegamos.

Ela – é, isso eu também sei.

Ele – ta sentindo o mesmo que eu?

Ela – alivio?

Ele – sim. Alivio.

Ela – engraçado. Nós não viemos a cavalo, né?

Ele – não. viemos correndo.

Ela – mas eu não me sinto cansada.

Ele – nem eu.

Ela – então como você sabe que viemos correndo?

Ele – não sei. Só sei que fugimos correndo.

Ela – do que estávamos fugindo?

Ele – não me lembro.

Ela – nem eu. mas definitivamente estávamos fugindo.

Musica de suspense.

Ela – que musica é essa?

Ele – não sei. Algo ruim deve acontecer em alguns instantes.

Ela – olha. É ela.

Mulher entra vestindo um vestido de filme de faroeste empunhando duas pistolas, uma em cada mão, e se esconde atrás de um arbusto que foi colocado enquanto o casal conversava.

Ele – (sussurrando) quem é ela?

Ela – não me lembro. Mas acho que estávamos fugindo dela. Você não sente?

Ele – sinto. Medo, né?

Ela – medo. Dela.

Ele – ei. Esses arbustos não estavam aí.

Ela – ih... não mesmo. Que estranho.

Ele – você acha estranho?

Ela – na verdade, não.

Ele – eu também não.

Ela – ela não pára de nos olhar. Você acha que ela vai nos matar?

Ele – não. mas mesmo assim estou com medo.

Ela – isso parece um pesadelo.

Silencio.

Ela – ela não vai falar nada?

Mulher sai de trás dos arbustos.

Ela – é ela.

Ele – ela quem?

Ela – não sei. Só sei que eu conheço. Não é a sua ex, Valéria?

Ele – Acho que não. talvez seja o lucio mauro filho.

Ela – mas é uma mulher.

Ele – talvez sejam os dois.

Ela – será? Estou com medo.

Se abraçam. Ela percebe que ele tem uma pistola presa no cinto.

Ela – isso já estava aí?

Ele – a pistola?

Ela – é.

Ele – acho que não. mas agora está.

Um telefone toca em algum lugar. Os dois ficam procurando de onde vem o som. Descobrem que vem da casa por trás da porta de vaivém.

Mulher – vocês não vão atender?

Aponta as pistolas para os dois.

Ela – eu vou.

Mulher – você não. ele.

Ele – por que?

Mulher – ela fica.

O casal se olha assustado. O telefone continua tocando.

Mulher – eu acho melhor você atender.

Ela – vai, amor. É melhor você atender mesmo.

Ele – como você sabe?

Ela – eu não sei.

Ele se dirige à porta. Ela o acompanha com o olhar enquanto a mulher some sem que ela perceba. Ele volta.

Ela – quem era?

Ele – George bush.

Ela – o pai ou o filho?

Ele – o pai.

Ela – e o que ele queria?

Ele – passar a receita dos remédios da minha avó.

Ela – ah.

Ele – espera. Cadê aquela mulher?

Ela – não sei. Desapareceu.

Ele – ufa.

Ela – está sentindo o mesmo que eu?

Ele – alivio?

Ela – sim. Alivio.

terça-feira, 4 de novembro de 2008

UM QUIZ SOBRE NÓS MESMOS

Sala de estar. VICENTE lê o jornal distraidamente. Marcinha anda impacientemente de um lado para o outro. Ela o olha e diz:

MARCINHA Você não me conhece direito.

VICENTE Quê?

MARCINHA É isso mesmo, Vicente. Você não me conhece direito.

VICENTE Como assim eu não te conheço direito?

MARCINHA Ah, sei lá. Às vezes parece que o que eu te falo entra por um ouvido e sai pelo outro.

VICENTE Que isso, Marcinha. Você está querendo dizer que eu não presto atenção nas coisas que você fala?

MARCINHA É. Apesar desses cinco anos de namoro, eu tenho a sensação de que você não me conhece.

VICENTE Ih, vai começar mais uma crise daquelas.

MARCINHA Não é crise nenhuma, Vicente!! E você pára de falar que eu entro em crise porque eu não entro!! Tá??

VICENTE Acho um absurdo você vir jogar um negócio desses na minha cara. Eu te conheço muito bem se você quer saber.

MARCINHA Pois eu duvido.

(silêncio)

VICENTE Quer saber, eu também duvido.

MARCINHA Duvida de quê?

VICENTE Duvido que você me conheça. Eu também tenho a sensação de que nesses cinco anos de namoro você não sabe nada sobre mim.

MARCINHA Aiiii, só porque eu falei, Vicente. Você não ia falar nada.

VICENTE Ia sim. Só estava esperando a deixa.

MARCINHA Então tá. Vamos tirar a prova. Vamos ver quem sabe mais do outro.

VICENTE Como?

MARCINHA Vamos fazer um Quiz.

VICENTE Um Quiz?

MARCINHA É. Um Quiz. Um Quiz sobre nós mesmos. Quem acertar mais perguntas sobre o outro, ganha.

VICENTE Ganha o quê?

MARCINHA Ganha, Vicente. Só ganha. Algum problema?

VICENTE ...Não...

MARCINHA Você topa então.

VICENTE Topo. Quero ver a sua cara quando você perder.

MARCINHA Então espera sentado. Eu não vou perder, querido.

VICENTE Vamos ver então. Quais são as regras?

MARCINHA Não tem regra. Vale qualquer tipo de pergunta desde que o assunto já tenha sido comentado entre nós dois no mínimo uma vez. Pega um papel. Marca um pontinho pras perguntas que eu acertar e eu faço o mesmo com as que você souber. Isso, vamos lá. Você começa.

VICENTE Qual a minha cor preferida? (o jogo começa leve, aos poucos vai ficando frenético até explodir)

MARCINHA (muito empolgada, quase dando gritinhos) Fácil. Azul. Um ponto pra mim, pode marcar. Já vi que vai ser fácil.

VICENTE Eu peguei leve. A próxima vai ser pior. Vai, sua vez.

MARCINHA Então ta. Qual a minha cor preferida?

VICENTE Laranja goiaba. Ponto pra mim.

MARCINHA Tá bom. Também, a gente comentou isso ontem.

VICENTE Meu signo, ascendente e lua.

MARCINHA Mas aí são três perguntas!

VICENTE Não sabe, né? Ponto pra mim.

MARCINHA Gêmeos, ascendente em leão, lua em aquário. Qual o meu signo no horóscopo chinês?

VICENTE Cachorro. Qual o nome da minha avó materna?

MARCINHA Fácil. Maria Terezinha de Albuquerque e Souza. Quantas vezes eu já li o Pequeno Príncipe?

VICENTE Contando com as vezes que leram pra você antes de você aprender a ler?

MARCINHA Não.

VICENTE Vinte e oito. Qual o nome do meu cachorro que morreu envenenado por chumbinho?

MARCINHA Zeca. Com quantos anos eu comecei a fumar?

VICENTE Dezesseis pra dezessete.

MARCINHA Dezesseis OU dezessete?

VICENTE Hm... dezesseis.

MARCINHA Certo.

VICENTE De quantos colégios eu fui expulso?

MARCINHA Três. Divina Providência, Sacré Coeur e Santo Inácio. Meu primeiro emprego foi na loja da minha tia. Verdadeiro ou falso?

VICENTE Vale pergunta verdadeiro ou falso???

MARCINHA Lógico.

VICENTE Falso. Foi na loja do seu tiO. Achou que ia me pegar nessa, hem? Vou jogar sujo também. Quantos gatos minha mãe teve?

MARCINHA Nenhum. Sua mãe tem alergia a gato. Quando o meu primeiro namorado terminou comigo, o que eu fiz?

VICENTE Pegou carona de caminhão até a Paraíba, conheceu um hippie sujo no caminho e ficou transando com ele durante dois meses sem parar.

MARCINHA Ele não era sujo.

VICENTE Enfim. De qual doença crônica meu pai sofria?

MARCINHA Bronquite. Depois Parkinson. Quando eu tinha 7 anos, quais eram os nomes que eu daria aos meus filhos?

VICENTE Ana Clara e João Pedro. Quais os nomes dos meus tios avôs gêmeos?

MARCINHA Adeobaldo e Adeodato. E agora, quais os nomes dos meus futuros filhos?

VICENTE Você muda toda hora de opinião.

MARCINHA Seu tempo está acabando.

VICENTE Tem tempo pra responder agora??

MARCINHA Dou-lhe uma, dou-lhe duas, dou-lhe tr...

VICENTE Margarida e Flor-de-lis. Brega.

MARCINHA Não perguntei sua opinião.

VICENTE Os filhos não vão ser meus também?

MARCINHA Quem pare é que dá o nome.

VICENTE Ok. Quais vão ser os nomes dos MEUS filhos?

MARCINHA (pensa um pouco) Margarida e Flor-de-lis.

VICENTE Droga. Acertou.

MARCINHA Se eu tivesse que escolher entre ir pra Marte, Vênus ou Plutão, pra onde eu iria?

VICENTE Plutão. O que eu prefiro: chocolate ao leite ou chocolate com avelã?

MARCINHA Avelã. Lógico. Qual era o nome da minha boneca favorita aos 5 anos?

VICENTE Regina Duarte. Pegou pesado agora. Você vai ver então. Que CD minha irmã me deu de presente de Natal em 93?

MARCINHA Racional, Tim Maia. Qual o meu autor de dicionário favorito?

VICENTE Autor de dicionário favorito? Que pergunta é essa, Marcinha??!

MARCINHA É isso mesmo que você ouviu! Bora!!!

VICENTE Auré... Não!!! Michaelis!

VICENTE Qual a minha cor NEON favorita??

MARCINHA Verde. Se eu tivesse uma lanchonete, como ela se chamaria?

VICENTE Marcinha`s Lanches. Meu órgão interno preferido.

MARCINHA Pâncreas. Meu romance francês favorito.

VICENTE Les Miserables. Uma nota musical.

MARCINHA Dó. Um jogo de cartas.

VICENTE Strip-poquer, bêbada. Uma cidade de Minas Gerais.

MARCINHA Cambuquira! Um detergente.

VICENTE Ypê. Uma novela.

MARCINHA O Rei do Gado. (nesse momento o jogo está no seu clímax)

Se olham por um tempo em silêncio.

MARCINHA Eu errei?

VICENTE Não. Eu só não tenho mais nenhuma pergunta pra fazer. Você tem?

MARCINHA Também não. Vamos contar os pontos?

VICENTE Nem precisa. Você acertou todas.

MARCINHA Você também.

VICENTE Viu? E você falando que eu não te conhecia bem... acertei até as perguntas mais cabeludas!!

MARCINHA E agora? O que a gente faz? O jogo acabou?

VICENTE O que você acha? Já deu o que tinha que dar?

MARCINHA Acha que já sabemos tudo um do outro?

VICENTE Você não acha?

MARCINHA Não tem mais nada pra perguntar mesmo?

VICENTE Você tem?

MARCINHA Não nos acrescentamos mais nada?

VICENTE Então qual o sentido de nós dois aqui juntos?

OS DOIS Nenhum

MARCINHA Então é o fim?

VICENTE É, é o fim.

MARCINHA Devo arrumar minhas malas?

VICENTE Vou dar uma volta enquanto isso.

Ele vai saindo pela coxia da direita.

MARCINHA Traz um sanduíche na volta?

VICENTE (distraidamente) Trago... Filé com fritas, né?

MARCINHA (pausa.) Não. Atum!

Ela corre até ele. Se abraçam.

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

ACCIÓN!

a atriz mexicana de sobrancelha grossa
cavalga no deserto
de um set americano
que mais parece um oásis do tempo
repleto de cavalos negros e botas de
cowboys do ano 2000 e alguma coisa
sentindo o vento denso no rosto
largo e comprimido de aventura
e de tesão de viver
perigosamente sem medo
da morte e das contas do
fim do mês e chega ao fim
da linha no início do penhasco em que a dublê
paraguaia monta o cavalo negro e
escorrega ladeira abaixo pensando
na aventura que é
não ter plano de saúde.

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

O MENINO DOENTE

o menino doente tem dor de cabeça,
garganta, estômago e ouvido também.
ninguém sabe ao certo
o que ele tem
o motivo da fraqueza
do seu corpo pequeno e delicado
doutor nenhum passou atestado

- é virose de inverno!
diziam alguns mal informados

o frio se foi, a umidade
cessou e o sol se abriu de novo
e o menino doente
(agora com dor de dente,
perna e pescoço)
descobriu um caroço
no meio das costas

chegou ao consultório aliviado
- é câncer, seu médico, taí o nódulo
o doutor pôs-se a examinar o paciente
a velha enfermeira trouxe o estetoscópio
cutuca dali, aperta de lá
espreme e amassa o nódulo
de repente, PLOFT!
- voilá! não é câncer, menino doente,
é apenas furúnculo

a explosão de pus e sangue de nada serviu
pois o menino doente continuava moribundo
mas ele não desistiu da sua sina
e discou para Amil
fez todos os exames, consultou todos os
médicos: pneumologista, reumatologista,
neurologista e até ginecologista
tomou todos os remédios: aspirina,
amoxilina, penicilina, trimedal,
novalgina e até pílula
anticoncepcional.

nada fez efeito, e o menino apelou
entrou na internet e googou
“astrologia, tarologia, qualquer tipo de simpatia”
o oráculo prontamente respondeu:
dona odete cura qualquer doença em três dias

o lugar era longe, lá nos confins
e o menino doente,
já com dor nos rins
andou com passo ralentado
até avistar a casa e tocar
a campainha, já sentindo dor de viado

uma moça linda abriu o portão
era dona odete
que de dona não tinha nada
e mais parecia mais uma princesa encantada
- o que você tem, meu amor?
ao ouvir essas doces palavras, o coração
do menino doente sentiu frio
e ele já não sentia mais dor.
foi assim que o menino doente virou
um menino sadio.

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

EU SOU VOCÊ

Consultório psicanalítico. O DR. MARINHO folheia papéis sentado na sua mesa. Entra JOSIAS, claramente atordoado.

JOSIAS Olha, tá acontecendo uma coisa muito estranha comigo, Doutor.

DR. MARINHO Calma, calminha. Primeiro você deve sentar (JOSIAS senta). Isso, respira, uuuuu. Pronto. Qual é o nosso probleminha hoje? Manda ver!

JOSIAS Eu não sei se estou preparado para falar sobre isso.

DR. MARINHO Josias, eu estou aqui para te ajudar.

JOSIAS Eu sei, eu sei. Mas é que o assunto é muito delicado.

DR. MARINHO Sim, imagino. Mas imagino também que você sabe que pode contar comigo, NÃO É?!

JOSIAS Sei, sim, claro, dr. Marinho. Só que o negócio é GRAVE dessa vez.

DR. MARINHO Sei, sei. Não quer falar. Mais GRAVE que o suicídio da sua ex-namorada?? (Josias assente com o rosto). Então, vamos ver, deve ser também mais GRAVE do que quando você pegou seu pai no flagra com outro homem num motelzinho na Glória!!!! (Josias assente novamente). Agora, mais grave que o dia em que você, com apenas 17 anos, transou com a sua mãe depois de embebedá-la e dar-lhe um boa noite Cinderella não pode ser!!

JOSIAS Sim, é mais grave, doutor.

DR. MARINHO Olha, Josias, não importa o nível de gravidade. O que eu estou querendo dizer é que você sempre me contou todos os seus problemas e eu sempre fui capaz de ajudá-lo. Quem foi que curou todas as suas neuroses, hem, garotão?

JOSIAS Err... você.

DR. MARINHO Então pronto. Agora desembucha. Eu posso te ajudar. Qual é o problema dessa vez?

JOSIAS Crise de personalidade.

DR. MARINHO Crise de personalidade?!

JOSIAS É.

DR. MARINHO Hahaha! Mas isso não é nada grave, meu amigo. Isso acontece nas melhores famílias. Você mesmo, Josias, quantas “crises de personalidade” você já teve na sua vida? (imitando a voz de Josias toscamente) Chega aqui cabisbaixo, falando “aaah, doutor, estou perdido”, “não sei mais quem eu sou”, preciso me encontrar”. Nesses 20 anos que você freqüenta meu consultório, eu posso me lembrar de no mínimo umas 300. Aliás, 20 anos, hem, Josias? Tempo pra burro. Somos quase um só! Ehehe

JOSIAS Pois é..

DR. MARINHO Pode ficar tranqüilo. A gente resolve isso em no máximo 2 sessões. Tá bom? Então, podemos começar? (pega um papel e lê) Josias, você tem que se amar mais, gostar mais de você, você é um homem interessante, sim!, tem suas qualidades apesar de tudo...

JOSIAS Não é isso, doutor...

DR. MARINHO ...tem sua casinha, um aparelho de som, DVD, tem até uma scooter...

JOSIAS NÃO É ISSO, DOUTOR!!!

(silêncio)

DR. MARINHO Então é aquilo.

JOSIAS Aquilo?

DR. MARINHO Aquilo mesmo.

Josias não entende.

DR. MARINHO O pênis Josias.

Josias continua sem entender.

DR. MARINHO Quantas vezes eu tenho que repetir que pênis em forma de gancho não é um defeito, Josias? É o que te torna especial.

JOSIAS Também não é isso doutor!!

DR. MARINHO Desisto, Josias, de querer adivinhar. Você tem que falar. Vamos lá, vamos abrindo o bico. Que tipo de crise de personalidade é essa?

JOSIAS Eu não sei mais quem eu sou, doutor...eu...eu...EU ACHO QUE EU SOU VOCÊ!!

DR MARINHO Oi?

JOSIAS É isso mesmo. Às vezes eu me confundo e acho que eu não sou mais eu, e que eu sou você, entende?

DR. MARINHO Não.

JOSIAS Tudo começou há três meses. Chovia muito. Resolvi pegar um táxi do trabalho para casa. Quando o motorista me perguntou para onde eu ia, eu falei “Real Grandeza, 125”.

DR. MARINHO Mas é esse é o meu endereço!

JOSIAS Eu sei! Só que na hora foi só o que saiu da minha boca, foi automático, doutor. Não sei explicar. Eu tinha certeza de que estava indo para casa.

DR. MARINHO Você só se confundiu. Normal. As pessoas se enganam, Josias.

JOSIAS Na semana seguinte me desinteressei completamente pelo meu trabalho. Desaprendi a fazer minhas planilhas e cálculos, só pensava em Freud, Jung, Lacan.

DR. MARINHO Mas isso não é motivo para achar que você sou eu, ora bolas. Eu sempre te incentivei a estudar psicanálise, não foi? Sempre quis despertar essa paixão em você. Con-se-gui. Não é demais??

JOSIAS E aí chegou um momento em que eu não conseguia mais dormir na minha própria cama. Não reconhecia mais minha própria casa como minha. Senti falta da sua cristaleira da sala, das suas pantufas, da sua área de serviço. De tudo, como se tudo seu fosse na verdade meu, entende?

(fica mudo)

JOSIAS Então não me agüentei mais e comecei a passar os fins de semana que você viajava a trabalho na sua casa.

DR. MARINHO Como? E minha mulher? E meus filhos? Eles nunca me falaram nada!

JOSIAS Pois é.

DR. MARINHO Pois é o que, homem? O que eles acharam disso?

JOSIAS É aí que vem a parte mais estranha: eles também acharam que eu era você.

DR. MARINHO O quê???

JOSIAS Agora eu falo como você, penso como você, ando como você. Doutor Marinho, eu sou você.

DR. MARINHO Você é louco!!! Seu tratamento acaba por aqui, Josias. Vou agora mesmo pedir à secretária para que ligue para o Hospício Lucidez. Você precisa ser internado já!

JOSIAS Não faça isso, doutor. Não vai adiantar. Agora nós somos um só, estamos ligados para sempre. Dividimos uma só vida, uma só história, uma só mulher.

DR. MARINHO Ora, Josias, você está passando dos limites com essa sua brincadeira. (pega o telefone) Dona Suely, ligue para o Lucidez e diga que temos um caso urgente aqui no consultório, para que venham logo!

JOSIAS Não estou te entendendo. Você sempre insistiu para que eu compartilhasse tudo o que acontecia na minha vida com o senhor, agora o senhor se recusa a compartilhar a sua??

DR. MARINHO Não é nada disso, Josias. Não dessa forma! Agora, calado, não quero mais ouvir suas asneiras. Os enfermeiros já devem estar chegando.

Entram os enfermeiros

ENFERMEIRO 1 (para Josias) É esse, doutor?

JOSIAS Sim, pode levar.

DR. MARINHO Mas o doutor sou eu!! O maluco é ele, é ele!!!

ENFERMEIRO 2 Nós conhecemos o Doutor Marinho e você definitivamente não é ele. (para Josias) Está louco mesmo, doutor. Acha que é você. (amarram ele na camisa de força e vão tirando-o de cena)

DR. MARINHO Eu não estou louco!!! Eu só tive uma vida difícil!!! Minha ex-namorada se matou na minha frente, eu tenho tesão na minha mãe!! Quando tinha 17 anos, peguei meu próprio pai na cama com outro homem, EU TENHO UM PAU EM FORMA DE GANCHO!!!!

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

A três

Acordo no meio da noite. A sensação de desnorteio me abate por alguns segundos até finalmente descobrir quem eu sou e aonde estou. Alívio. Não sei direito por que meu sono foi interrompido ainda, isso não costuma me acontecer. Eu durmo que nem uma pedra. Faz muito frio, mas eu estou devidamente aquecida. Não foi isso que me fez acordar.

Então ouço um barulho. Uma voz presa num sussurro quase inaudível. Decerto foi isso que me tirou do sono. Palavras que não consigo reconhecer pelo baixo volume da voz. Eu me surpreendo um pouco, não sabia que teria companhia naquela noite, naquele quarto que nem meu era. Merda, meu nariz está escorrendo. Ouço uma outra voz, também sussurrante. Não é grave como a primeira. Voz de mulher. Um casal. Eu que já estava com preguiça de ir ao banheiro assoar o nariz, me viro para o lado de onde vem a voz, tentando enxergar qualquer coisa e dando uma colher de chá, pelo menos por um tempo, para a corisa que agora já ocupa meu buço quase por inteiro.

O quarto é muito escuro e eu não consigo reconhecer nem mesmo a silhueta do casal que ocupa o colchão à esquerda da minha cama. Aguço meus ouvidos enquanto finjo que durmo. A brincadeira de decifrar o que está acontecendo somente com a audição começa a ficar interessante pra mim. Um casal. Concentro todas as minhas energias na tentativa de obter mais alguma informação com os ouvidos.

Para minha surpresa, não demoro muito a reconhecer as vozes. Primeiro a do menino. Fala com uma sutil língua presa, que nem o seu sussurro conseguiu atenuá-la. Tenho certeza de que é Ele. Começo a prestar atenção na voz feminina. É muito aguda e chia muito no "s". Fico escutando mais um pouco só pra confirmar, mas logo não tenho mais dúvidas de que seja Ela.

Não me surpreendo muito com aquele casal. Ele eu havia conhecido no dia anterior, junto com muitas outras pessoas que também se hospedariam naquela casa durante o feriado, e também sabia que tinha namorada no Rio, de onde viemos. Ela eu conhecia melhor, sabia um pouco da sua vida, mais por terceiros do que por ela própria. Eles também haviam se conhecido ontem e ontem mesmo eu pude perceber que aquilo acabaria acontecendo. Só não imaginava que seria no meu quarto, no meio da madrugada.

Quando os sussurros deram uma pausa, voltei a reparar que meu nariz ainda escorria e que minha boca já sentia o salgado da corisa. Era hora de me levantar para acabar com aquela pequena mas insuportável situação. Nessa altura, eu já ouvia um som de chiclete mascado, um barulho de língua com língua e lábio e saliva que gruda.

"Não, não tira a roupa. Bota só o pau pra fora". (fala dela)

"Tá bom. Será que ela vai ouvir?"

Foi a deixa para eu, tímida vítima da situação, me transformar, pela primeira vez, em voyer. Nesse caso, uma voyer que não vê, só ouve. Não que eu estivesse me excitando com aquilo (pelo menos sexualmente falando), mas depois eu percebi que fora eu quem provocou tudo aquilo que se desenvolveria a seguir.

Vi que não tinha nada mais o que fazer, já que eu não tomaria a atitude certa: levantar, puta da vida como eu estava, e sair do quarto.

Então decidi que tentaria dormir de novo e que se dane a putaria que acontecia ao meu lado. Só que mesmo me virando de um lado para o outro, de bruços, de frente, de lado, com as pernas abertas, encolhidas ou esticadas seria impossível dormir.

Mais beijo. A largada para o sexo aventureiro deles já havia sido dada, mas eu só ouvia o som de beijo. Nenhum "ai", "hm", ou qualquer interjeição que revelasse um ato sexual. Eles são realmente discretos, pensei, se aqueles sussurros não tivessem me acordado eu não estaria passando por isso.

Isso me deu um pouco de raiva. Quanto mais tentava pegar no sono e não conseguia, mais comecei a querer que eles pronunciassem as frases mais indecentes durante o ato. Pelo menos eu teria realmente algo para prestar atenção enquanto o sono não chegasse.

Idéia errada de novo. Quando começou a série de respiração ofegante, vi que tinha cavado minha própria cova. Não conseguiria dormir e também não poderia assoar o nariz que ardia e incomodava e nem beber um copo d ´água (a essa hora minha garganta estava sedenta por um copo d´água). Ficaria ali até a hora que eles decidissem, até a hora que seus corpos não agüentassem mais e pedissem arrego. Eu era uma refém da libido deles. Comecei a rezar para que ele gozasse, por mais estranho que isso possa soar para uma mulher.

Tentei por alguns segundos ver novamente o que acontecia. Breu. Começo a imaginar as posições em que eles se encontram. Até que ponto vai a ousadia deles? De quatro ela não estava, estava reclamando do frio toda hora. Estavam com certeza embaixo do edredon. Papai-mamãe , eu presumi, satisfeita com o meu raciocínio. (a esse ponto eu já estava bastante entretida)

O tempo passava. Mais beijos, gemidos, respirações ofegantes. (será que estava bom?) O movimento, ou o som daquilo, ficava rapidamente mais intenso.

goza, goza, goza, goza, GOZA, FILHO DA PUTA! Era tudo que eu conseguia pensar.

Ainda não, merda. Ele estava machucando ela, vão desacelerar um pouco.

"eu não dou há muito tempo." (ela)

"relaxa, vai ser a melhor foda da sua vida" (ele – com sua língua presa)

Eu ri (na minha cabeça, é claro). Se ele tivesse a capacidade de ler meus pensamentos ficaria ofendido com a risada de desprezo que eu dei para mim mesma. Mas ele não tinha esse poder, e continuou a fazer o que estava fazendo, feliz da vida.

"será que ela ta ouvindo? Vou jogar uma indireta pra ver se ela quer participar". (ele)

Era piada, ele explicou. Ela não riu.

"seu piru é fino" (eu – no pensamento)

Eu não sabia se era mesmo, mas eu não erro muito. E se tivesse boca e língua, com certeza falaria com a língua presa. Nojento.

À medida que o clima esquentava, eu torcia mais e mais praquilo acabar logo. Que saco. Um moleque de 14 anos ficaria excitado com tudo aquilo, mas eu já estava de saco cheio.

"vou gozar." (ela – ELA!!)

Mentira, ela nunca gozava, eu sabia disso. Nem se masturbando ela gozava.

"espera que a gente goza junto" (ele – acreditando)

Um gemido final. Ufa. Acabou.

Levantei, o nariz boiando em meleca mole, assoei na blusa dele e mandei tomar no cu. Sacanagem. Bem que eu queria, mas não consegui, o que me deixou mais puta.

conversa pós-sexo:

"vai pro Rio quando?" (ele)

"semana que vem." (ela)

"só semana que vem? Que que eu vou fazer sem você?" (ele - canastrando muito)

Não sei. Trabalho, faculdade, ler Brecht, ir ao dentista, transar com a sua namorada. Oi? A namorada, é, namorada. Coitada. Corneada num sexo barato daqueles. É a vida.

Eles se despedem. Ele se levanta, dá boa noite, um beijo estalado.

"shhhhiu. Fica entre a gente."

Só entre a gente.