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quarta-feira, 29 de outubro de 2008

ACCIÓN!

a atriz mexicana de sobrancelha grossa
cavalga no deserto
de um set americano
que mais parece um oásis do tempo
repleto de cavalos negros e botas de
cowboys do ano 2000 e alguma coisa
sentindo o vento denso no rosto
largo e comprimido de aventura
e de tesão de viver
perigosamente sem medo
da morte e das contas do
fim do mês e chega ao fim
da linha no início do penhasco em que a dublê
paraguaia monta o cavalo negro e
escorrega ladeira abaixo pensando
na aventura que é
não ter plano de saúde.

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

O MENINO DOENTE

o menino doente tem dor de cabeça,
garganta, estômago e ouvido também.
ninguém sabe ao certo
o que ele tem
o motivo da fraqueza
do seu corpo pequeno e delicado
doutor nenhum passou atestado

- é virose de inverno!
diziam alguns mal informados

o frio se foi, a umidade
cessou e o sol se abriu de novo
e o menino doente
(agora com dor de dente,
perna e pescoço)
descobriu um caroço
no meio das costas

chegou ao consultório aliviado
- é câncer, seu médico, taí o nódulo
o doutor pôs-se a examinar o paciente
a velha enfermeira trouxe o estetoscópio
cutuca dali, aperta de lá
espreme e amassa o nódulo
de repente, PLOFT!
- voilá! não é câncer, menino doente,
é apenas furúnculo

a explosão de pus e sangue de nada serviu
pois o menino doente continuava moribundo
mas ele não desistiu da sua sina
e discou para Amil
fez todos os exames, consultou todos os
médicos: pneumologista, reumatologista,
neurologista e até ginecologista
tomou todos os remédios: aspirina,
amoxilina, penicilina, trimedal,
novalgina e até pílula
anticoncepcional.

nada fez efeito, e o menino apelou
entrou na internet e googou
“astrologia, tarologia, qualquer tipo de simpatia”
o oráculo prontamente respondeu:
dona odete cura qualquer doença em três dias

o lugar era longe, lá nos confins
e o menino doente,
já com dor nos rins
andou com passo ralentado
até avistar a casa e tocar
a campainha, já sentindo dor de viado

uma moça linda abriu o portão
era dona odete
que de dona não tinha nada
e mais parecia mais uma princesa encantada
- o que você tem, meu amor?
ao ouvir essas doces palavras, o coração
do menino doente sentiu frio
e ele já não sentia mais dor.
foi assim que o menino doente virou
um menino sadio.

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

EU SOU VOCÊ

Consultório psicanalítico. O DR. MARINHO folheia papéis sentado na sua mesa. Entra JOSIAS, claramente atordoado.

JOSIAS Olha, tá acontecendo uma coisa muito estranha comigo, Doutor.

DR. MARINHO Calma, calminha. Primeiro você deve sentar (JOSIAS senta). Isso, respira, uuuuu. Pronto. Qual é o nosso probleminha hoje? Manda ver!

JOSIAS Eu não sei se estou preparado para falar sobre isso.

DR. MARINHO Josias, eu estou aqui para te ajudar.

JOSIAS Eu sei, eu sei. Mas é que o assunto é muito delicado.

DR. MARINHO Sim, imagino. Mas imagino também que você sabe que pode contar comigo, NÃO É?!

JOSIAS Sei, sim, claro, dr. Marinho. Só que o negócio é GRAVE dessa vez.

DR. MARINHO Sei, sei. Não quer falar. Mais GRAVE que o suicídio da sua ex-namorada?? (Josias assente com o rosto). Então, vamos ver, deve ser também mais GRAVE do que quando você pegou seu pai no flagra com outro homem num motelzinho na Glória!!!! (Josias assente novamente). Agora, mais grave que o dia em que você, com apenas 17 anos, transou com a sua mãe depois de embebedá-la e dar-lhe um boa noite Cinderella não pode ser!!

JOSIAS Sim, é mais grave, doutor.

DR. MARINHO Olha, Josias, não importa o nível de gravidade. O que eu estou querendo dizer é que você sempre me contou todos os seus problemas e eu sempre fui capaz de ajudá-lo. Quem foi que curou todas as suas neuroses, hem, garotão?

JOSIAS Err... você.

DR. MARINHO Então pronto. Agora desembucha. Eu posso te ajudar. Qual é o problema dessa vez?

JOSIAS Crise de personalidade.

DR. MARINHO Crise de personalidade?!

JOSIAS É.

DR. MARINHO Hahaha! Mas isso não é nada grave, meu amigo. Isso acontece nas melhores famílias. Você mesmo, Josias, quantas “crises de personalidade” você já teve na sua vida? (imitando a voz de Josias toscamente) Chega aqui cabisbaixo, falando “aaah, doutor, estou perdido”, “não sei mais quem eu sou”, preciso me encontrar”. Nesses 20 anos que você freqüenta meu consultório, eu posso me lembrar de no mínimo umas 300. Aliás, 20 anos, hem, Josias? Tempo pra burro. Somos quase um só! Ehehe

JOSIAS Pois é..

DR. MARINHO Pode ficar tranqüilo. A gente resolve isso em no máximo 2 sessões. Tá bom? Então, podemos começar? (pega um papel e lê) Josias, você tem que se amar mais, gostar mais de você, você é um homem interessante, sim!, tem suas qualidades apesar de tudo...

JOSIAS Não é isso, doutor...

DR. MARINHO ...tem sua casinha, um aparelho de som, DVD, tem até uma scooter...

JOSIAS NÃO É ISSO, DOUTOR!!!

(silêncio)

DR. MARINHO Então é aquilo.

JOSIAS Aquilo?

DR. MARINHO Aquilo mesmo.

Josias não entende.

DR. MARINHO O pênis Josias.

Josias continua sem entender.

DR. MARINHO Quantas vezes eu tenho que repetir que pênis em forma de gancho não é um defeito, Josias? É o que te torna especial.

JOSIAS Também não é isso doutor!!

DR. MARINHO Desisto, Josias, de querer adivinhar. Você tem que falar. Vamos lá, vamos abrindo o bico. Que tipo de crise de personalidade é essa?

JOSIAS Eu não sei mais quem eu sou, doutor...eu...eu...EU ACHO QUE EU SOU VOCÊ!!

DR MARINHO Oi?

JOSIAS É isso mesmo. Às vezes eu me confundo e acho que eu não sou mais eu, e que eu sou você, entende?

DR. MARINHO Não.

JOSIAS Tudo começou há três meses. Chovia muito. Resolvi pegar um táxi do trabalho para casa. Quando o motorista me perguntou para onde eu ia, eu falei “Real Grandeza, 125”.

DR. MARINHO Mas é esse é o meu endereço!

JOSIAS Eu sei! Só que na hora foi só o que saiu da minha boca, foi automático, doutor. Não sei explicar. Eu tinha certeza de que estava indo para casa.

DR. MARINHO Você só se confundiu. Normal. As pessoas se enganam, Josias.

JOSIAS Na semana seguinte me desinteressei completamente pelo meu trabalho. Desaprendi a fazer minhas planilhas e cálculos, só pensava em Freud, Jung, Lacan.

DR. MARINHO Mas isso não é motivo para achar que você sou eu, ora bolas. Eu sempre te incentivei a estudar psicanálise, não foi? Sempre quis despertar essa paixão em você. Con-se-gui. Não é demais??

JOSIAS E aí chegou um momento em que eu não conseguia mais dormir na minha própria cama. Não reconhecia mais minha própria casa como minha. Senti falta da sua cristaleira da sala, das suas pantufas, da sua área de serviço. De tudo, como se tudo seu fosse na verdade meu, entende?

(fica mudo)

JOSIAS Então não me agüentei mais e comecei a passar os fins de semana que você viajava a trabalho na sua casa.

DR. MARINHO Como? E minha mulher? E meus filhos? Eles nunca me falaram nada!

JOSIAS Pois é.

DR. MARINHO Pois é o que, homem? O que eles acharam disso?

JOSIAS É aí que vem a parte mais estranha: eles também acharam que eu era você.

DR. MARINHO O quê???

JOSIAS Agora eu falo como você, penso como você, ando como você. Doutor Marinho, eu sou você.

DR. MARINHO Você é louco!!! Seu tratamento acaba por aqui, Josias. Vou agora mesmo pedir à secretária para que ligue para o Hospício Lucidez. Você precisa ser internado já!

JOSIAS Não faça isso, doutor. Não vai adiantar. Agora nós somos um só, estamos ligados para sempre. Dividimos uma só vida, uma só história, uma só mulher.

DR. MARINHO Ora, Josias, você está passando dos limites com essa sua brincadeira. (pega o telefone) Dona Suely, ligue para o Lucidez e diga que temos um caso urgente aqui no consultório, para que venham logo!

JOSIAS Não estou te entendendo. Você sempre insistiu para que eu compartilhasse tudo o que acontecia na minha vida com o senhor, agora o senhor se recusa a compartilhar a sua??

DR. MARINHO Não é nada disso, Josias. Não dessa forma! Agora, calado, não quero mais ouvir suas asneiras. Os enfermeiros já devem estar chegando.

Entram os enfermeiros

ENFERMEIRO 1 (para Josias) É esse, doutor?

JOSIAS Sim, pode levar.

DR. MARINHO Mas o doutor sou eu!! O maluco é ele, é ele!!!

ENFERMEIRO 2 Nós conhecemos o Doutor Marinho e você definitivamente não é ele. (para Josias) Está louco mesmo, doutor. Acha que é você. (amarram ele na camisa de força e vão tirando-o de cena)

DR. MARINHO Eu não estou louco!!! Eu só tive uma vida difícil!!! Minha ex-namorada se matou na minha frente, eu tenho tesão na minha mãe!! Quando tinha 17 anos, peguei meu próprio pai na cama com outro homem, EU TENHO UM PAU EM FORMA DE GANCHO!!!!