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quinta-feira, 13 de novembro de 2008

CONTO DE TERROR

Cenário de faroeste americano. Chão arenoso, terreno árido. Somente uma porta daquelas de vaivém que não vai nem vem pois está quebrada. Chega um casal vestido com roupas de hoje em dia.

Ela – ufa.

Ele – até que enfim chegamos.

Ela – mas chegamos onde?

Ele – não sei só sei que chegamos.

Ela – é, isso eu também sei.

Ele – ta sentindo o mesmo que eu?

Ela – alivio?

Ele – sim. Alivio.

Ela – engraçado. Nós não viemos a cavalo, né?

Ele – não. viemos correndo.

Ela – mas eu não me sinto cansada.

Ele – nem eu.

Ela – então como você sabe que viemos correndo?

Ele – não sei. Só sei que fugimos correndo.

Ela – do que estávamos fugindo?

Ele – não me lembro.

Ela – nem eu. mas definitivamente estávamos fugindo.

Musica de suspense.

Ela – que musica é essa?

Ele – não sei. Algo ruim deve acontecer em alguns instantes.

Ela – olha. É ela.

Mulher entra vestindo um vestido de filme de faroeste empunhando duas pistolas, uma em cada mão, e se esconde atrás de um arbusto que foi colocado enquanto o casal conversava.

Ele – (sussurrando) quem é ela?

Ela – não me lembro. Mas acho que estávamos fugindo dela. Você não sente?

Ele – sinto. Medo, né?

Ela – medo. Dela.

Ele – ei. Esses arbustos não estavam aí.

Ela – ih... não mesmo. Que estranho.

Ele – você acha estranho?

Ela – na verdade, não.

Ele – eu também não.

Ela – ela não pára de nos olhar. Você acha que ela vai nos matar?

Ele – não. mas mesmo assim estou com medo.

Ela – isso parece um pesadelo.

Silencio.

Ela – ela não vai falar nada?

Mulher sai de trás dos arbustos.

Ela – é ela.

Ele – ela quem?

Ela – não sei. Só sei que eu conheço. Não é a sua ex, Valéria?

Ele – Acho que não. talvez seja o lucio mauro filho.

Ela – mas é uma mulher.

Ele – talvez sejam os dois.

Ela – será? Estou com medo.

Se abraçam. Ela percebe que ele tem uma pistola presa no cinto.

Ela – isso já estava aí?

Ele – a pistola?

Ela – é.

Ele – acho que não. mas agora está.

Um telefone toca em algum lugar. Os dois ficam procurando de onde vem o som. Descobrem que vem da casa por trás da porta de vaivém.

Mulher – vocês não vão atender?

Aponta as pistolas para os dois.

Ela – eu vou.

Mulher – você não. ele.

Ele – por que?

Mulher – ela fica.

O casal se olha assustado. O telefone continua tocando.

Mulher – eu acho melhor você atender.

Ela – vai, amor. É melhor você atender mesmo.

Ele – como você sabe?

Ela – eu não sei.

Ele se dirige à porta. Ela o acompanha com o olhar enquanto a mulher some sem que ela perceba. Ele volta.

Ela – quem era?

Ele – George bush.

Ela – o pai ou o filho?

Ele – o pai.

Ela – e o que ele queria?

Ele – passar a receita dos remédios da minha avó.

Ela – ah.

Ele – espera. Cadê aquela mulher?

Ela – não sei. Desapareceu.

Ele – ufa.

Ela – está sentindo o mesmo que eu?

Ele – alivio?

Ela – sim. Alivio.

terça-feira, 4 de novembro de 2008

UM QUIZ SOBRE NÓS MESMOS

Sala de estar. VICENTE lê o jornal distraidamente. Marcinha anda impacientemente de um lado para o outro. Ela o olha e diz:

MARCINHA Você não me conhece direito.

VICENTE Quê?

MARCINHA É isso mesmo, Vicente. Você não me conhece direito.

VICENTE Como assim eu não te conheço direito?

MARCINHA Ah, sei lá. Às vezes parece que o que eu te falo entra por um ouvido e sai pelo outro.

VICENTE Que isso, Marcinha. Você está querendo dizer que eu não presto atenção nas coisas que você fala?

MARCINHA É. Apesar desses cinco anos de namoro, eu tenho a sensação de que você não me conhece.

VICENTE Ih, vai começar mais uma crise daquelas.

MARCINHA Não é crise nenhuma, Vicente!! E você pára de falar que eu entro em crise porque eu não entro!! Tá??

VICENTE Acho um absurdo você vir jogar um negócio desses na minha cara. Eu te conheço muito bem se você quer saber.

MARCINHA Pois eu duvido.

(silêncio)

VICENTE Quer saber, eu também duvido.

MARCINHA Duvida de quê?

VICENTE Duvido que você me conheça. Eu também tenho a sensação de que nesses cinco anos de namoro você não sabe nada sobre mim.

MARCINHA Aiiii, só porque eu falei, Vicente. Você não ia falar nada.

VICENTE Ia sim. Só estava esperando a deixa.

MARCINHA Então tá. Vamos tirar a prova. Vamos ver quem sabe mais do outro.

VICENTE Como?

MARCINHA Vamos fazer um Quiz.

VICENTE Um Quiz?

MARCINHA É. Um Quiz. Um Quiz sobre nós mesmos. Quem acertar mais perguntas sobre o outro, ganha.

VICENTE Ganha o quê?

MARCINHA Ganha, Vicente. Só ganha. Algum problema?

VICENTE ...Não...

MARCINHA Você topa então.

VICENTE Topo. Quero ver a sua cara quando você perder.

MARCINHA Então espera sentado. Eu não vou perder, querido.

VICENTE Vamos ver então. Quais são as regras?

MARCINHA Não tem regra. Vale qualquer tipo de pergunta desde que o assunto já tenha sido comentado entre nós dois no mínimo uma vez. Pega um papel. Marca um pontinho pras perguntas que eu acertar e eu faço o mesmo com as que você souber. Isso, vamos lá. Você começa.

VICENTE Qual a minha cor preferida? (o jogo começa leve, aos poucos vai ficando frenético até explodir)

MARCINHA (muito empolgada, quase dando gritinhos) Fácil. Azul. Um ponto pra mim, pode marcar. Já vi que vai ser fácil.

VICENTE Eu peguei leve. A próxima vai ser pior. Vai, sua vez.

MARCINHA Então ta. Qual a minha cor preferida?

VICENTE Laranja goiaba. Ponto pra mim.

MARCINHA Tá bom. Também, a gente comentou isso ontem.

VICENTE Meu signo, ascendente e lua.

MARCINHA Mas aí são três perguntas!

VICENTE Não sabe, né? Ponto pra mim.

MARCINHA Gêmeos, ascendente em leão, lua em aquário. Qual o meu signo no horóscopo chinês?

VICENTE Cachorro. Qual o nome da minha avó materna?

MARCINHA Fácil. Maria Terezinha de Albuquerque e Souza. Quantas vezes eu já li o Pequeno Príncipe?

VICENTE Contando com as vezes que leram pra você antes de você aprender a ler?

MARCINHA Não.

VICENTE Vinte e oito. Qual o nome do meu cachorro que morreu envenenado por chumbinho?

MARCINHA Zeca. Com quantos anos eu comecei a fumar?

VICENTE Dezesseis pra dezessete.

MARCINHA Dezesseis OU dezessete?

VICENTE Hm... dezesseis.

MARCINHA Certo.

VICENTE De quantos colégios eu fui expulso?

MARCINHA Três. Divina Providência, Sacré Coeur e Santo Inácio. Meu primeiro emprego foi na loja da minha tia. Verdadeiro ou falso?

VICENTE Vale pergunta verdadeiro ou falso???

MARCINHA Lógico.

VICENTE Falso. Foi na loja do seu tiO. Achou que ia me pegar nessa, hem? Vou jogar sujo também. Quantos gatos minha mãe teve?

MARCINHA Nenhum. Sua mãe tem alergia a gato. Quando o meu primeiro namorado terminou comigo, o que eu fiz?

VICENTE Pegou carona de caminhão até a Paraíba, conheceu um hippie sujo no caminho e ficou transando com ele durante dois meses sem parar.

MARCINHA Ele não era sujo.

VICENTE Enfim. De qual doença crônica meu pai sofria?

MARCINHA Bronquite. Depois Parkinson. Quando eu tinha 7 anos, quais eram os nomes que eu daria aos meus filhos?

VICENTE Ana Clara e João Pedro. Quais os nomes dos meus tios avôs gêmeos?

MARCINHA Adeobaldo e Adeodato. E agora, quais os nomes dos meus futuros filhos?

VICENTE Você muda toda hora de opinião.

MARCINHA Seu tempo está acabando.

VICENTE Tem tempo pra responder agora??

MARCINHA Dou-lhe uma, dou-lhe duas, dou-lhe tr...

VICENTE Margarida e Flor-de-lis. Brega.

MARCINHA Não perguntei sua opinião.

VICENTE Os filhos não vão ser meus também?

MARCINHA Quem pare é que dá o nome.

VICENTE Ok. Quais vão ser os nomes dos MEUS filhos?

MARCINHA (pensa um pouco) Margarida e Flor-de-lis.

VICENTE Droga. Acertou.

MARCINHA Se eu tivesse que escolher entre ir pra Marte, Vênus ou Plutão, pra onde eu iria?

VICENTE Plutão. O que eu prefiro: chocolate ao leite ou chocolate com avelã?

MARCINHA Avelã. Lógico. Qual era o nome da minha boneca favorita aos 5 anos?

VICENTE Regina Duarte. Pegou pesado agora. Você vai ver então. Que CD minha irmã me deu de presente de Natal em 93?

MARCINHA Racional, Tim Maia. Qual o meu autor de dicionário favorito?

VICENTE Autor de dicionário favorito? Que pergunta é essa, Marcinha??!

MARCINHA É isso mesmo que você ouviu! Bora!!!

VICENTE Auré... Não!!! Michaelis!

VICENTE Qual a minha cor NEON favorita??

MARCINHA Verde. Se eu tivesse uma lanchonete, como ela se chamaria?

VICENTE Marcinha`s Lanches. Meu órgão interno preferido.

MARCINHA Pâncreas. Meu romance francês favorito.

VICENTE Les Miserables. Uma nota musical.

MARCINHA Dó. Um jogo de cartas.

VICENTE Strip-poquer, bêbada. Uma cidade de Minas Gerais.

MARCINHA Cambuquira! Um detergente.

VICENTE Ypê. Uma novela.

MARCINHA O Rei do Gado. (nesse momento o jogo está no seu clímax)

Se olham por um tempo em silêncio.

MARCINHA Eu errei?

VICENTE Não. Eu só não tenho mais nenhuma pergunta pra fazer. Você tem?

MARCINHA Também não. Vamos contar os pontos?

VICENTE Nem precisa. Você acertou todas.

MARCINHA Você também.

VICENTE Viu? E você falando que eu não te conhecia bem... acertei até as perguntas mais cabeludas!!

MARCINHA E agora? O que a gente faz? O jogo acabou?

VICENTE O que você acha? Já deu o que tinha que dar?

MARCINHA Acha que já sabemos tudo um do outro?

VICENTE Você não acha?

MARCINHA Não tem mais nada pra perguntar mesmo?

VICENTE Você tem?

MARCINHA Não nos acrescentamos mais nada?

VICENTE Então qual o sentido de nós dois aqui juntos?

OS DOIS Nenhum

MARCINHA Então é o fim?

VICENTE É, é o fim.

MARCINHA Devo arrumar minhas malas?

VICENTE Vou dar uma volta enquanto isso.

Ele vai saindo pela coxia da direita.

MARCINHA Traz um sanduíche na volta?

VICENTE (distraidamente) Trago... Filé com fritas, né?

MARCINHA (pausa.) Não. Atum!

Ela corre até ele. Se abraçam.