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quarta-feira, 17 de setembro de 2008

A três

Acordo no meio da noite. A sensação de desnorteio me abate por alguns segundos até finalmente descobrir quem eu sou e aonde estou. Alívio. Não sei direito por que meu sono foi interrompido ainda, isso não costuma me acontecer. Eu durmo que nem uma pedra. Faz muito frio, mas eu estou devidamente aquecida. Não foi isso que me fez acordar.

Então ouço um barulho. Uma voz presa num sussurro quase inaudível. Decerto foi isso que me tirou do sono. Palavras que não consigo reconhecer pelo baixo volume da voz. Eu me surpreendo um pouco, não sabia que teria companhia naquela noite, naquele quarto que nem meu era. Merda, meu nariz está escorrendo. Ouço uma outra voz, também sussurrante. Não é grave como a primeira. Voz de mulher. Um casal. Eu que já estava com preguiça de ir ao banheiro assoar o nariz, me viro para o lado de onde vem a voz, tentando enxergar qualquer coisa e dando uma colher de chá, pelo menos por um tempo, para a corisa que agora já ocupa meu buço quase por inteiro.

O quarto é muito escuro e eu não consigo reconhecer nem mesmo a silhueta do casal que ocupa o colchão à esquerda da minha cama. Aguço meus ouvidos enquanto finjo que durmo. A brincadeira de decifrar o que está acontecendo somente com a audição começa a ficar interessante pra mim. Um casal. Concentro todas as minhas energias na tentativa de obter mais alguma informação com os ouvidos.

Para minha surpresa, não demoro muito a reconhecer as vozes. Primeiro a do menino. Fala com uma sutil língua presa, que nem o seu sussurro conseguiu atenuá-la. Tenho certeza de que é Ele. Começo a prestar atenção na voz feminina. É muito aguda e chia muito no "s". Fico escutando mais um pouco só pra confirmar, mas logo não tenho mais dúvidas de que seja Ela.

Não me surpreendo muito com aquele casal. Ele eu havia conhecido no dia anterior, junto com muitas outras pessoas que também se hospedariam naquela casa durante o feriado, e também sabia que tinha namorada no Rio, de onde viemos. Ela eu conhecia melhor, sabia um pouco da sua vida, mais por terceiros do que por ela própria. Eles também haviam se conhecido ontem e ontem mesmo eu pude perceber que aquilo acabaria acontecendo. Só não imaginava que seria no meu quarto, no meio da madrugada.

Quando os sussurros deram uma pausa, voltei a reparar que meu nariz ainda escorria e que minha boca já sentia o salgado da corisa. Era hora de me levantar para acabar com aquela pequena mas insuportável situação. Nessa altura, eu já ouvia um som de chiclete mascado, um barulho de língua com língua e lábio e saliva que gruda.

"Não, não tira a roupa. Bota só o pau pra fora". (fala dela)

"Tá bom. Será que ela vai ouvir?"

Foi a deixa para eu, tímida vítima da situação, me transformar, pela primeira vez, em voyer. Nesse caso, uma voyer que não vê, só ouve. Não que eu estivesse me excitando com aquilo (pelo menos sexualmente falando), mas depois eu percebi que fora eu quem provocou tudo aquilo que se desenvolveria a seguir.

Vi que não tinha nada mais o que fazer, já que eu não tomaria a atitude certa: levantar, puta da vida como eu estava, e sair do quarto.

Então decidi que tentaria dormir de novo e que se dane a putaria que acontecia ao meu lado. Só que mesmo me virando de um lado para o outro, de bruços, de frente, de lado, com as pernas abertas, encolhidas ou esticadas seria impossível dormir.

Mais beijo. A largada para o sexo aventureiro deles já havia sido dada, mas eu só ouvia o som de beijo. Nenhum "ai", "hm", ou qualquer interjeição que revelasse um ato sexual. Eles são realmente discretos, pensei, se aqueles sussurros não tivessem me acordado eu não estaria passando por isso.

Isso me deu um pouco de raiva. Quanto mais tentava pegar no sono e não conseguia, mais comecei a querer que eles pronunciassem as frases mais indecentes durante o ato. Pelo menos eu teria realmente algo para prestar atenção enquanto o sono não chegasse.

Idéia errada de novo. Quando começou a série de respiração ofegante, vi que tinha cavado minha própria cova. Não conseguiria dormir e também não poderia assoar o nariz que ardia e incomodava e nem beber um copo d ´água (a essa hora minha garganta estava sedenta por um copo d´água). Ficaria ali até a hora que eles decidissem, até a hora que seus corpos não agüentassem mais e pedissem arrego. Eu era uma refém da libido deles. Comecei a rezar para que ele gozasse, por mais estranho que isso possa soar para uma mulher.

Tentei por alguns segundos ver novamente o que acontecia. Breu. Começo a imaginar as posições em que eles se encontram. Até que ponto vai a ousadia deles? De quatro ela não estava, estava reclamando do frio toda hora. Estavam com certeza embaixo do edredon. Papai-mamãe , eu presumi, satisfeita com o meu raciocínio. (a esse ponto eu já estava bastante entretida)

O tempo passava. Mais beijos, gemidos, respirações ofegantes. (será que estava bom?) O movimento, ou o som daquilo, ficava rapidamente mais intenso.

goza, goza, goza, goza, GOZA, FILHO DA PUTA! Era tudo que eu conseguia pensar.

Ainda não, merda. Ele estava machucando ela, vão desacelerar um pouco.

"eu não dou há muito tempo." (ela)

"relaxa, vai ser a melhor foda da sua vida" (ele – com sua língua presa)

Eu ri (na minha cabeça, é claro). Se ele tivesse a capacidade de ler meus pensamentos ficaria ofendido com a risada de desprezo que eu dei para mim mesma. Mas ele não tinha esse poder, e continuou a fazer o que estava fazendo, feliz da vida.

"será que ela ta ouvindo? Vou jogar uma indireta pra ver se ela quer participar". (ele)

Era piada, ele explicou. Ela não riu.

"seu piru é fino" (eu – no pensamento)

Eu não sabia se era mesmo, mas eu não erro muito. E se tivesse boca e língua, com certeza falaria com a língua presa. Nojento.

À medida que o clima esquentava, eu torcia mais e mais praquilo acabar logo. Que saco. Um moleque de 14 anos ficaria excitado com tudo aquilo, mas eu já estava de saco cheio.

"vou gozar." (ela – ELA!!)

Mentira, ela nunca gozava, eu sabia disso. Nem se masturbando ela gozava.

"espera que a gente goza junto" (ele – acreditando)

Um gemido final. Ufa. Acabou.

Levantei, o nariz boiando em meleca mole, assoei na blusa dele e mandei tomar no cu. Sacanagem. Bem que eu queria, mas não consegui, o que me deixou mais puta.

conversa pós-sexo:

"vai pro Rio quando?" (ele)

"semana que vem." (ela)

"só semana que vem? Que que eu vou fazer sem você?" (ele - canastrando muito)

Não sei. Trabalho, faculdade, ler Brecht, ir ao dentista, transar com a sua namorada. Oi? A namorada, é, namorada. Coitada. Corneada num sexo barato daqueles. É a vida.

Eles se despedem. Ele se levanta, dá boa noite, um beijo estalado.

"shhhhiu. Fica entre a gente."

Só entre a gente.