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quinta-feira, 13 de novembro de 2008

CONTO DE TERROR

Cenário de faroeste americano. Chão arenoso, terreno árido. Somente uma porta daquelas de vaivém que não vai nem vem pois está quebrada. Chega um casal vestido com roupas de hoje em dia.

Ela – ufa.

Ele – até que enfim chegamos.

Ela – mas chegamos onde?

Ele – não sei só sei que chegamos.

Ela – é, isso eu também sei.

Ele – ta sentindo o mesmo que eu?

Ela – alivio?

Ele – sim. Alivio.

Ela – engraçado. Nós não viemos a cavalo, né?

Ele – não. viemos correndo.

Ela – mas eu não me sinto cansada.

Ele – nem eu.

Ela – então como você sabe que viemos correndo?

Ele – não sei. Só sei que fugimos correndo.

Ela – do que estávamos fugindo?

Ele – não me lembro.

Ela – nem eu. mas definitivamente estávamos fugindo.

Musica de suspense.

Ela – que musica é essa?

Ele – não sei. Algo ruim deve acontecer em alguns instantes.

Ela – olha. É ela.

Mulher entra vestindo um vestido de filme de faroeste empunhando duas pistolas, uma em cada mão, e se esconde atrás de um arbusto que foi colocado enquanto o casal conversava.

Ele – (sussurrando) quem é ela?

Ela – não me lembro. Mas acho que estávamos fugindo dela. Você não sente?

Ele – sinto. Medo, né?

Ela – medo. Dela.

Ele – ei. Esses arbustos não estavam aí.

Ela – ih... não mesmo. Que estranho.

Ele – você acha estranho?

Ela – na verdade, não.

Ele – eu também não.

Ela – ela não pára de nos olhar. Você acha que ela vai nos matar?

Ele – não. mas mesmo assim estou com medo.

Ela – isso parece um pesadelo.

Silencio.

Ela – ela não vai falar nada?

Mulher sai de trás dos arbustos.

Ela – é ela.

Ele – ela quem?

Ela – não sei. Só sei que eu conheço. Não é a sua ex, Valéria?

Ele – Acho que não. talvez seja o lucio mauro filho.

Ela – mas é uma mulher.

Ele – talvez sejam os dois.

Ela – será? Estou com medo.

Se abraçam. Ela percebe que ele tem uma pistola presa no cinto.

Ela – isso já estava aí?

Ele – a pistola?

Ela – é.

Ele – acho que não. mas agora está.

Um telefone toca em algum lugar. Os dois ficam procurando de onde vem o som. Descobrem que vem da casa por trás da porta de vaivém.

Mulher – vocês não vão atender?

Aponta as pistolas para os dois.

Ela – eu vou.

Mulher – você não. ele.

Ele – por que?

Mulher – ela fica.

O casal se olha assustado. O telefone continua tocando.

Mulher – eu acho melhor você atender.

Ela – vai, amor. É melhor você atender mesmo.

Ele – como você sabe?

Ela – eu não sei.

Ele se dirige à porta. Ela o acompanha com o olhar enquanto a mulher some sem que ela perceba. Ele volta.

Ela – quem era?

Ele – George bush.

Ela – o pai ou o filho?

Ele – o pai.

Ela – e o que ele queria?

Ele – passar a receita dos remédios da minha avó.

Ela – ah.

Ele – espera. Cadê aquela mulher?

Ela – não sei. Desapareceu.

Ele – ufa.

Ela – está sentindo o mesmo que eu?

Ele – alivio?

Ela – sim. Alivio.

terça-feira, 4 de novembro de 2008

UM QUIZ SOBRE NÓS MESMOS

Sala de estar. VICENTE lê o jornal distraidamente. Marcinha anda impacientemente de um lado para o outro. Ela o olha e diz:

MARCINHA Você não me conhece direito.

VICENTE Quê?

MARCINHA É isso mesmo, Vicente. Você não me conhece direito.

VICENTE Como assim eu não te conheço direito?

MARCINHA Ah, sei lá. Às vezes parece que o que eu te falo entra por um ouvido e sai pelo outro.

VICENTE Que isso, Marcinha. Você está querendo dizer que eu não presto atenção nas coisas que você fala?

MARCINHA É. Apesar desses cinco anos de namoro, eu tenho a sensação de que você não me conhece.

VICENTE Ih, vai começar mais uma crise daquelas.

MARCINHA Não é crise nenhuma, Vicente!! E você pára de falar que eu entro em crise porque eu não entro!! Tá??

VICENTE Acho um absurdo você vir jogar um negócio desses na minha cara. Eu te conheço muito bem se você quer saber.

MARCINHA Pois eu duvido.

(silêncio)

VICENTE Quer saber, eu também duvido.

MARCINHA Duvida de quê?

VICENTE Duvido que você me conheça. Eu também tenho a sensação de que nesses cinco anos de namoro você não sabe nada sobre mim.

MARCINHA Aiiii, só porque eu falei, Vicente. Você não ia falar nada.

VICENTE Ia sim. Só estava esperando a deixa.

MARCINHA Então tá. Vamos tirar a prova. Vamos ver quem sabe mais do outro.

VICENTE Como?

MARCINHA Vamos fazer um Quiz.

VICENTE Um Quiz?

MARCINHA É. Um Quiz. Um Quiz sobre nós mesmos. Quem acertar mais perguntas sobre o outro, ganha.

VICENTE Ganha o quê?

MARCINHA Ganha, Vicente. Só ganha. Algum problema?

VICENTE ...Não...

MARCINHA Você topa então.

VICENTE Topo. Quero ver a sua cara quando você perder.

MARCINHA Então espera sentado. Eu não vou perder, querido.

VICENTE Vamos ver então. Quais são as regras?

MARCINHA Não tem regra. Vale qualquer tipo de pergunta desde que o assunto já tenha sido comentado entre nós dois no mínimo uma vez. Pega um papel. Marca um pontinho pras perguntas que eu acertar e eu faço o mesmo com as que você souber. Isso, vamos lá. Você começa.

VICENTE Qual a minha cor preferida? (o jogo começa leve, aos poucos vai ficando frenético até explodir)

MARCINHA (muito empolgada, quase dando gritinhos) Fácil. Azul. Um ponto pra mim, pode marcar. Já vi que vai ser fácil.

VICENTE Eu peguei leve. A próxima vai ser pior. Vai, sua vez.

MARCINHA Então ta. Qual a minha cor preferida?

VICENTE Laranja goiaba. Ponto pra mim.

MARCINHA Tá bom. Também, a gente comentou isso ontem.

VICENTE Meu signo, ascendente e lua.

MARCINHA Mas aí são três perguntas!

VICENTE Não sabe, né? Ponto pra mim.

MARCINHA Gêmeos, ascendente em leão, lua em aquário. Qual o meu signo no horóscopo chinês?

VICENTE Cachorro. Qual o nome da minha avó materna?

MARCINHA Fácil. Maria Terezinha de Albuquerque e Souza. Quantas vezes eu já li o Pequeno Príncipe?

VICENTE Contando com as vezes que leram pra você antes de você aprender a ler?

MARCINHA Não.

VICENTE Vinte e oito. Qual o nome do meu cachorro que morreu envenenado por chumbinho?

MARCINHA Zeca. Com quantos anos eu comecei a fumar?

VICENTE Dezesseis pra dezessete.

MARCINHA Dezesseis OU dezessete?

VICENTE Hm... dezesseis.

MARCINHA Certo.

VICENTE De quantos colégios eu fui expulso?

MARCINHA Três. Divina Providência, Sacré Coeur e Santo Inácio. Meu primeiro emprego foi na loja da minha tia. Verdadeiro ou falso?

VICENTE Vale pergunta verdadeiro ou falso???

MARCINHA Lógico.

VICENTE Falso. Foi na loja do seu tiO. Achou que ia me pegar nessa, hem? Vou jogar sujo também. Quantos gatos minha mãe teve?

MARCINHA Nenhum. Sua mãe tem alergia a gato. Quando o meu primeiro namorado terminou comigo, o que eu fiz?

VICENTE Pegou carona de caminhão até a Paraíba, conheceu um hippie sujo no caminho e ficou transando com ele durante dois meses sem parar.

MARCINHA Ele não era sujo.

VICENTE Enfim. De qual doença crônica meu pai sofria?

MARCINHA Bronquite. Depois Parkinson. Quando eu tinha 7 anos, quais eram os nomes que eu daria aos meus filhos?

VICENTE Ana Clara e João Pedro. Quais os nomes dos meus tios avôs gêmeos?

MARCINHA Adeobaldo e Adeodato. E agora, quais os nomes dos meus futuros filhos?

VICENTE Você muda toda hora de opinião.

MARCINHA Seu tempo está acabando.

VICENTE Tem tempo pra responder agora??

MARCINHA Dou-lhe uma, dou-lhe duas, dou-lhe tr...

VICENTE Margarida e Flor-de-lis. Brega.

MARCINHA Não perguntei sua opinião.

VICENTE Os filhos não vão ser meus também?

MARCINHA Quem pare é que dá o nome.

VICENTE Ok. Quais vão ser os nomes dos MEUS filhos?

MARCINHA (pensa um pouco) Margarida e Flor-de-lis.

VICENTE Droga. Acertou.

MARCINHA Se eu tivesse que escolher entre ir pra Marte, Vênus ou Plutão, pra onde eu iria?

VICENTE Plutão. O que eu prefiro: chocolate ao leite ou chocolate com avelã?

MARCINHA Avelã. Lógico. Qual era o nome da minha boneca favorita aos 5 anos?

VICENTE Regina Duarte. Pegou pesado agora. Você vai ver então. Que CD minha irmã me deu de presente de Natal em 93?

MARCINHA Racional, Tim Maia. Qual o meu autor de dicionário favorito?

VICENTE Autor de dicionário favorito? Que pergunta é essa, Marcinha??!

MARCINHA É isso mesmo que você ouviu! Bora!!!

VICENTE Auré... Não!!! Michaelis!

VICENTE Qual a minha cor NEON favorita??

MARCINHA Verde. Se eu tivesse uma lanchonete, como ela se chamaria?

VICENTE Marcinha`s Lanches. Meu órgão interno preferido.

MARCINHA Pâncreas. Meu romance francês favorito.

VICENTE Les Miserables. Uma nota musical.

MARCINHA Dó. Um jogo de cartas.

VICENTE Strip-poquer, bêbada. Uma cidade de Minas Gerais.

MARCINHA Cambuquira! Um detergente.

VICENTE Ypê. Uma novela.

MARCINHA O Rei do Gado. (nesse momento o jogo está no seu clímax)

Se olham por um tempo em silêncio.

MARCINHA Eu errei?

VICENTE Não. Eu só não tenho mais nenhuma pergunta pra fazer. Você tem?

MARCINHA Também não. Vamos contar os pontos?

VICENTE Nem precisa. Você acertou todas.

MARCINHA Você também.

VICENTE Viu? E você falando que eu não te conhecia bem... acertei até as perguntas mais cabeludas!!

MARCINHA E agora? O que a gente faz? O jogo acabou?

VICENTE O que você acha? Já deu o que tinha que dar?

MARCINHA Acha que já sabemos tudo um do outro?

VICENTE Você não acha?

MARCINHA Não tem mais nada pra perguntar mesmo?

VICENTE Você tem?

MARCINHA Não nos acrescentamos mais nada?

VICENTE Então qual o sentido de nós dois aqui juntos?

OS DOIS Nenhum

MARCINHA Então é o fim?

VICENTE É, é o fim.

MARCINHA Devo arrumar minhas malas?

VICENTE Vou dar uma volta enquanto isso.

Ele vai saindo pela coxia da direita.

MARCINHA Traz um sanduíche na volta?

VICENTE (distraidamente) Trago... Filé com fritas, né?

MARCINHA (pausa.) Não. Atum!

Ela corre até ele. Se abraçam.

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

ACCIÓN!

a atriz mexicana de sobrancelha grossa
cavalga no deserto
de um set americano
que mais parece um oásis do tempo
repleto de cavalos negros e botas de
cowboys do ano 2000 e alguma coisa
sentindo o vento denso no rosto
largo e comprimido de aventura
e de tesão de viver
perigosamente sem medo
da morte e das contas do
fim do mês e chega ao fim
da linha no início do penhasco em que a dublê
paraguaia monta o cavalo negro e
escorrega ladeira abaixo pensando
na aventura que é
não ter plano de saúde.

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

O MENINO DOENTE

o menino doente tem dor de cabeça,
garganta, estômago e ouvido também.
ninguém sabe ao certo
o que ele tem
o motivo da fraqueza
do seu corpo pequeno e delicado
doutor nenhum passou atestado

- é virose de inverno!
diziam alguns mal informados

o frio se foi, a umidade
cessou e o sol se abriu de novo
e o menino doente
(agora com dor de dente,
perna e pescoço)
descobriu um caroço
no meio das costas

chegou ao consultório aliviado
- é câncer, seu médico, taí o nódulo
o doutor pôs-se a examinar o paciente
a velha enfermeira trouxe o estetoscópio
cutuca dali, aperta de lá
espreme e amassa o nódulo
de repente, PLOFT!
- voilá! não é câncer, menino doente,
é apenas furúnculo

a explosão de pus e sangue de nada serviu
pois o menino doente continuava moribundo
mas ele não desistiu da sua sina
e discou para Amil
fez todos os exames, consultou todos os
médicos: pneumologista, reumatologista,
neurologista e até ginecologista
tomou todos os remédios: aspirina,
amoxilina, penicilina, trimedal,
novalgina e até pílula
anticoncepcional.

nada fez efeito, e o menino apelou
entrou na internet e googou
“astrologia, tarologia, qualquer tipo de simpatia”
o oráculo prontamente respondeu:
dona odete cura qualquer doença em três dias

o lugar era longe, lá nos confins
e o menino doente,
já com dor nos rins
andou com passo ralentado
até avistar a casa e tocar
a campainha, já sentindo dor de viado

uma moça linda abriu o portão
era dona odete
que de dona não tinha nada
e mais parecia mais uma princesa encantada
- o que você tem, meu amor?
ao ouvir essas doces palavras, o coração
do menino doente sentiu frio
e ele já não sentia mais dor.
foi assim que o menino doente virou
um menino sadio.

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

EU SOU VOCÊ

Consultório psicanalítico. O DR. MARINHO folheia papéis sentado na sua mesa. Entra JOSIAS, claramente atordoado.

JOSIAS Olha, tá acontecendo uma coisa muito estranha comigo, Doutor.

DR. MARINHO Calma, calminha. Primeiro você deve sentar (JOSIAS senta). Isso, respira, uuuuu. Pronto. Qual é o nosso probleminha hoje? Manda ver!

JOSIAS Eu não sei se estou preparado para falar sobre isso.

DR. MARINHO Josias, eu estou aqui para te ajudar.

JOSIAS Eu sei, eu sei. Mas é que o assunto é muito delicado.

DR. MARINHO Sim, imagino. Mas imagino também que você sabe que pode contar comigo, NÃO É?!

JOSIAS Sei, sim, claro, dr. Marinho. Só que o negócio é GRAVE dessa vez.

DR. MARINHO Sei, sei. Não quer falar. Mais GRAVE que o suicídio da sua ex-namorada?? (Josias assente com o rosto). Então, vamos ver, deve ser também mais GRAVE do que quando você pegou seu pai no flagra com outro homem num motelzinho na Glória!!!! (Josias assente novamente). Agora, mais grave que o dia em que você, com apenas 17 anos, transou com a sua mãe depois de embebedá-la e dar-lhe um boa noite Cinderella não pode ser!!

JOSIAS Sim, é mais grave, doutor.

DR. MARINHO Olha, Josias, não importa o nível de gravidade. O que eu estou querendo dizer é que você sempre me contou todos os seus problemas e eu sempre fui capaz de ajudá-lo. Quem foi que curou todas as suas neuroses, hem, garotão?

JOSIAS Err... você.

DR. MARINHO Então pronto. Agora desembucha. Eu posso te ajudar. Qual é o problema dessa vez?

JOSIAS Crise de personalidade.

DR. MARINHO Crise de personalidade?!

JOSIAS É.

DR. MARINHO Hahaha! Mas isso não é nada grave, meu amigo. Isso acontece nas melhores famílias. Você mesmo, Josias, quantas “crises de personalidade” você já teve na sua vida? (imitando a voz de Josias toscamente) Chega aqui cabisbaixo, falando “aaah, doutor, estou perdido”, “não sei mais quem eu sou”, preciso me encontrar”. Nesses 20 anos que você freqüenta meu consultório, eu posso me lembrar de no mínimo umas 300. Aliás, 20 anos, hem, Josias? Tempo pra burro. Somos quase um só! Ehehe

JOSIAS Pois é..

DR. MARINHO Pode ficar tranqüilo. A gente resolve isso em no máximo 2 sessões. Tá bom? Então, podemos começar? (pega um papel e lê) Josias, você tem que se amar mais, gostar mais de você, você é um homem interessante, sim!, tem suas qualidades apesar de tudo...

JOSIAS Não é isso, doutor...

DR. MARINHO ...tem sua casinha, um aparelho de som, DVD, tem até uma scooter...

JOSIAS NÃO É ISSO, DOUTOR!!!

(silêncio)

DR. MARINHO Então é aquilo.

JOSIAS Aquilo?

DR. MARINHO Aquilo mesmo.

Josias não entende.

DR. MARINHO O pênis Josias.

Josias continua sem entender.

DR. MARINHO Quantas vezes eu tenho que repetir que pênis em forma de gancho não é um defeito, Josias? É o que te torna especial.

JOSIAS Também não é isso doutor!!

DR. MARINHO Desisto, Josias, de querer adivinhar. Você tem que falar. Vamos lá, vamos abrindo o bico. Que tipo de crise de personalidade é essa?

JOSIAS Eu não sei mais quem eu sou, doutor...eu...eu...EU ACHO QUE EU SOU VOCÊ!!

DR MARINHO Oi?

JOSIAS É isso mesmo. Às vezes eu me confundo e acho que eu não sou mais eu, e que eu sou você, entende?

DR. MARINHO Não.

JOSIAS Tudo começou há três meses. Chovia muito. Resolvi pegar um táxi do trabalho para casa. Quando o motorista me perguntou para onde eu ia, eu falei “Real Grandeza, 125”.

DR. MARINHO Mas é esse é o meu endereço!

JOSIAS Eu sei! Só que na hora foi só o que saiu da minha boca, foi automático, doutor. Não sei explicar. Eu tinha certeza de que estava indo para casa.

DR. MARINHO Você só se confundiu. Normal. As pessoas se enganam, Josias.

JOSIAS Na semana seguinte me desinteressei completamente pelo meu trabalho. Desaprendi a fazer minhas planilhas e cálculos, só pensava em Freud, Jung, Lacan.

DR. MARINHO Mas isso não é motivo para achar que você sou eu, ora bolas. Eu sempre te incentivei a estudar psicanálise, não foi? Sempre quis despertar essa paixão em você. Con-se-gui. Não é demais??

JOSIAS E aí chegou um momento em que eu não conseguia mais dormir na minha própria cama. Não reconhecia mais minha própria casa como minha. Senti falta da sua cristaleira da sala, das suas pantufas, da sua área de serviço. De tudo, como se tudo seu fosse na verdade meu, entende?

(fica mudo)

JOSIAS Então não me agüentei mais e comecei a passar os fins de semana que você viajava a trabalho na sua casa.

DR. MARINHO Como? E minha mulher? E meus filhos? Eles nunca me falaram nada!

JOSIAS Pois é.

DR. MARINHO Pois é o que, homem? O que eles acharam disso?

JOSIAS É aí que vem a parte mais estranha: eles também acharam que eu era você.

DR. MARINHO O quê???

JOSIAS Agora eu falo como você, penso como você, ando como você. Doutor Marinho, eu sou você.

DR. MARINHO Você é louco!!! Seu tratamento acaba por aqui, Josias. Vou agora mesmo pedir à secretária para que ligue para o Hospício Lucidez. Você precisa ser internado já!

JOSIAS Não faça isso, doutor. Não vai adiantar. Agora nós somos um só, estamos ligados para sempre. Dividimos uma só vida, uma só história, uma só mulher.

DR. MARINHO Ora, Josias, você está passando dos limites com essa sua brincadeira. (pega o telefone) Dona Suely, ligue para o Lucidez e diga que temos um caso urgente aqui no consultório, para que venham logo!

JOSIAS Não estou te entendendo. Você sempre insistiu para que eu compartilhasse tudo o que acontecia na minha vida com o senhor, agora o senhor se recusa a compartilhar a sua??

DR. MARINHO Não é nada disso, Josias. Não dessa forma! Agora, calado, não quero mais ouvir suas asneiras. Os enfermeiros já devem estar chegando.

Entram os enfermeiros

ENFERMEIRO 1 (para Josias) É esse, doutor?

JOSIAS Sim, pode levar.

DR. MARINHO Mas o doutor sou eu!! O maluco é ele, é ele!!!

ENFERMEIRO 2 Nós conhecemos o Doutor Marinho e você definitivamente não é ele. (para Josias) Está louco mesmo, doutor. Acha que é você. (amarram ele na camisa de força e vão tirando-o de cena)

DR. MARINHO Eu não estou louco!!! Eu só tive uma vida difícil!!! Minha ex-namorada se matou na minha frente, eu tenho tesão na minha mãe!! Quando tinha 17 anos, peguei meu próprio pai na cama com outro homem, EU TENHO UM PAU EM FORMA DE GANCHO!!!!

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

A três

Acordo no meio da noite. A sensação de desnorteio me abate por alguns segundos até finalmente descobrir quem eu sou e aonde estou. Alívio. Não sei direito por que meu sono foi interrompido ainda, isso não costuma me acontecer. Eu durmo que nem uma pedra. Faz muito frio, mas eu estou devidamente aquecida. Não foi isso que me fez acordar.

Então ouço um barulho. Uma voz presa num sussurro quase inaudível. Decerto foi isso que me tirou do sono. Palavras que não consigo reconhecer pelo baixo volume da voz. Eu me surpreendo um pouco, não sabia que teria companhia naquela noite, naquele quarto que nem meu era. Merda, meu nariz está escorrendo. Ouço uma outra voz, também sussurrante. Não é grave como a primeira. Voz de mulher. Um casal. Eu que já estava com preguiça de ir ao banheiro assoar o nariz, me viro para o lado de onde vem a voz, tentando enxergar qualquer coisa e dando uma colher de chá, pelo menos por um tempo, para a corisa que agora já ocupa meu buço quase por inteiro.

O quarto é muito escuro e eu não consigo reconhecer nem mesmo a silhueta do casal que ocupa o colchão à esquerda da minha cama. Aguço meus ouvidos enquanto finjo que durmo. A brincadeira de decifrar o que está acontecendo somente com a audição começa a ficar interessante pra mim. Um casal. Concentro todas as minhas energias na tentativa de obter mais alguma informação com os ouvidos.

Para minha surpresa, não demoro muito a reconhecer as vozes. Primeiro a do menino. Fala com uma sutil língua presa, que nem o seu sussurro conseguiu atenuá-la. Tenho certeza de que é Ele. Começo a prestar atenção na voz feminina. É muito aguda e chia muito no "s". Fico escutando mais um pouco só pra confirmar, mas logo não tenho mais dúvidas de que seja Ela.

Não me surpreendo muito com aquele casal. Ele eu havia conhecido no dia anterior, junto com muitas outras pessoas que também se hospedariam naquela casa durante o feriado, e também sabia que tinha namorada no Rio, de onde viemos. Ela eu conhecia melhor, sabia um pouco da sua vida, mais por terceiros do que por ela própria. Eles também haviam se conhecido ontem e ontem mesmo eu pude perceber que aquilo acabaria acontecendo. Só não imaginava que seria no meu quarto, no meio da madrugada.

Quando os sussurros deram uma pausa, voltei a reparar que meu nariz ainda escorria e que minha boca já sentia o salgado da corisa. Era hora de me levantar para acabar com aquela pequena mas insuportável situação. Nessa altura, eu já ouvia um som de chiclete mascado, um barulho de língua com língua e lábio e saliva que gruda.

"Não, não tira a roupa. Bota só o pau pra fora". (fala dela)

"Tá bom. Será que ela vai ouvir?"

Foi a deixa para eu, tímida vítima da situação, me transformar, pela primeira vez, em voyer. Nesse caso, uma voyer que não vê, só ouve. Não que eu estivesse me excitando com aquilo (pelo menos sexualmente falando), mas depois eu percebi que fora eu quem provocou tudo aquilo que se desenvolveria a seguir.

Vi que não tinha nada mais o que fazer, já que eu não tomaria a atitude certa: levantar, puta da vida como eu estava, e sair do quarto.

Então decidi que tentaria dormir de novo e que se dane a putaria que acontecia ao meu lado. Só que mesmo me virando de um lado para o outro, de bruços, de frente, de lado, com as pernas abertas, encolhidas ou esticadas seria impossível dormir.

Mais beijo. A largada para o sexo aventureiro deles já havia sido dada, mas eu só ouvia o som de beijo. Nenhum "ai", "hm", ou qualquer interjeição que revelasse um ato sexual. Eles são realmente discretos, pensei, se aqueles sussurros não tivessem me acordado eu não estaria passando por isso.

Isso me deu um pouco de raiva. Quanto mais tentava pegar no sono e não conseguia, mais comecei a querer que eles pronunciassem as frases mais indecentes durante o ato. Pelo menos eu teria realmente algo para prestar atenção enquanto o sono não chegasse.

Idéia errada de novo. Quando começou a série de respiração ofegante, vi que tinha cavado minha própria cova. Não conseguiria dormir e também não poderia assoar o nariz que ardia e incomodava e nem beber um copo d ´água (a essa hora minha garganta estava sedenta por um copo d´água). Ficaria ali até a hora que eles decidissem, até a hora que seus corpos não agüentassem mais e pedissem arrego. Eu era uma refém da libido deles. Comecei a rezar para que ele gozasse, por mais estranho que isso possa soar para uma mulher.

Tentei por alguns segundos ver novamente o que acontecia. Breu. Começo a imaginar as posições em que eles se encontram. Até que ponto vai a ousadia deles? De quatro ela não estava, estava reclamando do frio toda hora. Estavam com certeza embaixo do edredon. Papai-mamãe , eu presumi, satisfeita com o meu raciocínio. (a esse ponto eu já estava bastante entretida)

O tempo passava. Mais beijos, gemidos, respirações ofegantes. (será que estava bom?) O movimento, ou o som daquilo, ficava rapidamente mais intenso.

goza, goza, goza, goza, GOZA, FILHO DA PUTA! Era tudo que eu conseguia pensar.

Ainda não, merda. Ele estava machucando ela, vão desacelerar um pouco.

"eu não dou há muito tempo." (ela)

"relaxa, vai ser a melhor foda da sua vida" (ele – com sua língua presa)

Eu ri (na minha cabeça, é claro). Se ele tivesse a capacidade de ler meus pensamentos ficaria ofendido com a risada de desprezo que eu dei para mim mesma. Mas ele não tinha esse poder, e continuou a fazer o que estava fazendo, feliz da vida.

"será que ela ta ouvindo? Vou jogar uma indireta pra ver se ela quer participar". (ele)

Era piada, ele explicou. Ela não riu.

"seu piru é fino" (eu – no pensamento)

Eu não sabia se era mesmo, mas eu não erro muito. E se tivesse boca e língua, com certeza falaria com a língua presa. Nojento.

À medida que o clima esquentava, eu torcia mais e mais praquilo acabar logo. Que saco. Um moleque de 14 anos ficaria excitado com tudo aquilo, mas eu já estava de saco cheio.

"vou gozar." (ela – ELA!!)

Mentira, ela nunca gozava, eu sabia disso. Nem se masturbando ela gozava.

"espera que a gente goza junto" (ele – acreditando)

Um gemido final. Ufa. Acabou.

Levantei, o nariz boiando em meleca mole, assoei na blusa dele e mandei tomar no cu. Sacanagem. Bem que eu queria, mas não consegui, o que me deixou mais puta.

conversa pós-sexo:

"vai pro Rio quando?" (ele)

"semana que vem." (ela)

"só semana que vem? Que que eu vou fazer sem você?" (ele - canastrando muito)

Não sei. Trabalho, faculdade, ler Brecht, ir ao dentista, transar com a sua namorada. Oi? A namorada, é, namorada. Coitada. Corneada num sexo barato daqueles. É a vida.

Eles se despedem. Ele se levanta, dá boa noite, um beijo estalado.

"shhhhiu. Fica entre a gente."

Só entre a gente.

terça-feira, 5 de agosto de 2008

438

subiu no 438 via rebouças de véu
preto e olho fundo
tirou da bolsa à tira colo lápis
e desatou a escrever a queima roupa
no caderno velho
não sabia o quê

sacolejando da direita pra
esquerda meus olhos enxeridos
do banco de trás
só viam garrancho e rabisco comprido de letra
de médico?
não sabia o quê

ao sair do túnel, fez-se
a luz: era apenas mais uma árabe
indo até vila isabel.

quarta-feira, 11 de junho de 2008

Quando tu sentires saudade

Quando tu sentires saudade
Não chora,
Lembra.

Quando tu sentires saudade, lembra
das estórias, do cafuné, do beijo,
dos presentes, daquelas férias remotas
e até daquele chiclete velho

Quando tu sentires saudade, lembra
da bronca eventual.
Da mão pesada e do abraço forte,
Da fala leve e das palavras doces

Não te culpa por não lembrares de tudo

Lembra do trivial, do cotidiano
Do “alô” e do “até logo”

Mas nunca do adeus

Lembra da risada, sim?
Não lembra das lágrimas de tristeza

Então não chora, lembra
E ri.
Outra vez e eternamente.


(triste seria não ter o que lembrar)

quinta-feira, 5 de junho de 2008

Sem estresse

Hoje, eu queria escrever um post sobre alguma coisa importante. Ontem, eu li no jornal que vai ter outra daquelas reuniões pra resolver o problema da miséria na África. Li também sobre as armas nucleares do Irã e como toda essa questão tem um quê apocalíptico mais forte do que o desejável. Tem ainda aquela coisa de 47% dos vereadores cariocas serem acusados de algum crime (corrupção, formação de quadrilha, assassinato e cia ltda. - graças a deus!). Talvez, ainda, eu pudesse fazer alguma diferença se comentasse a nova alta da Taxa Selic, a alta de preços dos alimentos, o subsídio do etanol norte-americano, o recrutamento de novos soldados para uma milícia em Taquara; ou falasse um pouco sobre o Paulinho, o Álvaro Lins, o Carlos Lupi, o Edson Lobão, o Picciani.... AHHHHHH!!!!

Acho melhor não, né?

Então, eu decidi ser bucólica e um pouco Mutantes. A letras é ótima, a música é ótima... Dormir hoje à noite e acordar em outra vida, como dizem lá pelo Sujinho, às vezes é tudo o que a gente queria... Uma vida assim:

"Estou aqui sentado no sol
Bicando o céu
Fumando o som
Então, pensei:
por que não viver aqui?
Enquanto a turma de vaqueiros tira o leite...

Eu vejo daqui a nuvem passar
e lá no chão a gramar brotar!
Então, pensei:
por que não viver aqui?
Enquanto a turma de vaqueiros tira o leite...

Tira o lei tira o lei tira o lei tira o leiite

Humm! Cheirinho bom pairando no ar...
Que curtição... Que leite legal!
Então, pensei:
por que não viver aquiii?
Enquanto a turma da cidade dá um duro!
Enquanto a turma da cidade dá um duro!
Enquanto a turma da cidade dá um duro!
Enquanto a turma da cidade dá um duro até as seis..."

Sem estresse, galera... Sem estresse...

(A música é d'Os Mutantes e se chama "Tira o leite". Eu ia colocar aqui, mas não sei como coloca... Se alguém quiser me ensinar, eu agradeço!)

quarta-feira, 4 de junho de 2008

Joanna e o cigarro

Joanna saiu sem isqueiro de casa. Só percebeu isso quando tirou o maço de Carlton vermelho da bolsa e procurou pelo fogo desesperadamente três vezes em todos os nove bolsos de sua calça bag. Quando se convenceu de que de fato havia esquecido o isqueiro em casa, deu um longo suspiro, ergueu a cabeça e pensou “pelo menos não é o cigarro”. Sem dinheiro para comprar até mesmo uma caixa de fósforos na banca de jornal, Joanna ligou o radar que só quem sai de casa sem isqueiro tem para encontrar alguém com fogo para o seu cigarro. Caminhou dois quarteirões inteiros sem avistar uma possibilidade sequer para solucionar o seu problema, dentre as pessoas que caminhavam de um lado pro outro na Visconde de Pirajá. Ninguém fumava naquele domingo. Resolveu andar mais um pouco, afinal, nunca tinha muita gente fumando entre a Aníbal e a Maria Quitéria mesmo. Mais um quarteirão pra frente e nenhum sinal de fumaça. Na Joana Angélica, teve a brilhante idéia de acender seu cigarro com o isqueiro da banca de jornal. Como não tinha pensado nisso até agora? Ao procurar do lado de fora da banca pelo isqueiro e não achar, perguntou, entre os dentes e o cigarro que estava na boca, ao dono da banca: “O senhor tem fogo?”. Ao que ele respondeu secamente: “Não tenho, não.”. Como não tem? Toda banca tem isqueiro. “Tem não, minha filha. Você está enganada. Nenhuma banca tem isqueiro”. Depois desse comentário do jornaleiro, Joanna saiu soltando fogo pelas ventas e amaldiçoando toda a vida útil daquela banca de jornal desprezível e todos os seus seguintes jornaleiros, mesmo não tendo eles nada a ver com a falta de tato do jornaleiro atual. Resolveu seguir para o mar, ali mesmo, na Joana Angélica, para que a brisa refrescasse suas idéias e, é claro, para ver se finalmente conseguia a simples tarefa de acender seu cigarro no calçadão ou na areia. No calçadão, pessoas saudáveis malhavam seus corpos em busca de uma juventude perfeita e de uma velhice tranqüila. Não abordaria ninguém para não correr o risco de levar uma pedra portuguesa na testa. No quiosque, a vendedora lhe dirigiu um olhar de desprezo, quando questionada. Joanna estava pronta para rebater a falta de educação da mulher, quando um cheiro de marola convidativo lhe levou à areia. Ah, alguém usou fogo para queimar isso aí, ah, se usou, pensou ela. Tirou os chinelos e desceu para a areia, usando todo o seu olfato e visão para acabar logo com aquela palhaçada e acender seu cigarro. Rodou por 15 minutos, panturrilhas já doloridas por causa da areia fofa, mas não achou nenhum cigarro aceso. Ou o que quer que fosse, aceso. Que se dane, pensou ela. Vou voltar pra rua, com certeza eu encontro em outra banca de jornal.

E assim fez. Até o final de Ipanema, naquela tarde de domingo, nenhuma banca, nenhum boteco e nenhum estabelecimento possuíam fósforos ou isqueiros.
Joanna, mais desesperada do que nunca, desacreditada daquela situação estranhíssima, mas nunca perdendo a esperança, teve uma idéia: perguntar aleatoriamente às pessoas, mesmo que nenhuma estivesse fumando naquele momento, se, por acaso, quem sabe, talvez, elas não teriam fogo. Mas que idéia infeliz, essa de Joanna, pois todas as pessoas para as quais ela perguntou, sem exceção, deram-lhe uma resposta grosseira na cara. Joanna ouviu treze vezes “Não fumo, não, querida, graças a deus”, quarenta e cinco “Cruz credo, cigarro mata, minha filha” e cento e três vezes “Pára de fumar, menina”. A agressividade dos transeuntes de Ipanema provocou em Joanna, cigarro na orelha, mais raiva ainda, e quase estourando, desistiu, decidindo ir para casa acender lá mesmo.

Quase chegando na esquina da Garcia D`Ávila, o que há um segundo atrás Joanna considerava impossível, aconteceu. Um homem, recostado num prédio de grades, fumava. Joanna correu afobada em direção a ele e, tirando o cigarro da orelha, desatou a falar:
- Ai, graças a Deus encontrei um fumante por aqui. Você acredita que tem duas horas que eu tento acender esse mísero cigarro e não consigo? Esqueci o isqueiro em casa e parece que ninguém mais fuma nesse mundo, é incrível! Além disso, as pessoas me olham estranho quando eu pergunto por fogo, como se eu fosse a única fumante do planeta, como se eu fosse um bicho, uma aberração. Tô falando demais, né? Desculpa, é que eu tô nervosa, o dia hoje foi muito esquisito pra mim, saí pra rua pra dar uma caminhada e só o que eu tenho feito é procurar fogo pra acender meu cigarro. Mas deixa pra lá, finalmente eu te achei, você pode me emprestar teu cigarro pra eu acender??
O homem, que ouviu aquilo tudo calado, agora deu uma tragada longa em seu cigarro de filtro amarelo, jogou a fumaça na cara da moça e falou:
- Que cigarro? Tá me achando com cara de fumante? Eu não fumo não, minha filha, graças a deus! E você devia parar porque isso é veneno, VE-NE-NO!
Joanna se afastou calmamente, virou-se para a rua e, vencida pelo cansaço, respirou fundo o ar da Visconde de Pirajá.

Até que era bom.

Joanna hoje foi engolida pelo movimento anti-tabagista de seu bairro. Agora, em vez de tragar fumaça do cigarro, traga fumaça dos carros de Ipanema.

terça-feira, 3 de junho de 2008

Os Pseudo-Maluquetes

Hoje, eu fui na PUC colar uns cartazes do Fórum de Mídia Livre e acabei dando com a cara na porta. O departamento de comunicação estava fechado e não se pode colocar nada nos murais sem autorização. Isso é pra gente ver que, mesmo quando a coisa não é pública, os órgãos administrativos fecham antes e abrem depois do que nós gostaríamos.
Enfim... Com a minha falta de sucesso e até de perspectiva para alcançá-lo, eu decidi ir no centro acadêmico dos alunos de comunicação da PUC pra ver se eu conseguia colar cartazes por lá.
Chegando lá, eu vi que a casinha que abriga os alunos extremamente sociáveis do curso estava ocupada com uma gravação de algum tipo de material audiovisual (clipe, filme, curta... Nunca saberei). Desolada, eu olhei ao meu redor e vi um grupo de pessoas conversando animadamente. Decidi interagir (tava de bobeira, né...):
- Vocês fazem comunicação?
A única menina do grupo me respondeu animadamente, apontando todos os coleguinhas que a rodeavam:
- Ele não é, mas ele é, ele é, ele é e eu sou!
Eu fiz uma cara de "tá... O.K." e perguntei se ela não poderia colar os cartazes para mim.
Nesse meio tempo, ela e os amigos começaram a conversar sobre como colar cartazes na PUC. Eu fiquei com cara de nada, afinal o que eu poderia dizer ou expressar facialmente nesse momento?
E eles até que conversaram bastante, fazendo piadinhas meio mongas que se fingem de piadas internas, mas na verdade são só mongas. (Eu não estou super interpretando, tá! Isso realmente acontece com os melhores grupinhos de conversa que interagem com um estranho... Se é que essa categoria um dia já existiu).
Constatando a minha cara de nada, a menina olhou pros coleguinhas e disse:
- Nossa! Ela deve achar que a gente é maluco!

Congela imagem, eu olho pra câmera.

É claro que eu não acho que eles são malucos. Por que será que todo grupinho de conversa se acha maluco perante estranhos? Sempre tem o babaca da rodinha (enormes chances da menina nunca ver este post!) que manda essa, mas é extremamente raro o estrangeiro realmente achar as pessoas malucas.
Todo mundo sabe que, quando a gente pega o bonde andando, seja porque a conversa já estava rolando, seja porque você nunca viu aquela galerinha mais gorda, não entende patavinas do que está sendo dito, ironizado, ou levado a sério; ou, simplesmente, não acha a me-nor graça, porque esse privilégio (o de "estou interessado em tudo o que você diz até que se prove o contrário) a gente só dá pros amigos.
Mas, as pessoas a-do-ram se fazer de malucas! Todo mundo se amarra em ser "meio maluquete", como já dizia (na verdade, ainda diz) a minha mãe, bacaninha que só ela. Elas fingem se revoltar, fingem se fingirem de completamente normais... mas a verdade é que todo mundo sabe o que está acontecendo e é de praxe fazer o que eu fiz:

Descongela a imagem, eu olho pra galerinha. Ergo as sobrancelhas e "concordo"com a menina. Ela ri, todos sorriem e voltam felizes pra casa.

Ahhh... Como somos seres humanos originais!

domingo, 1 de junho de 2008

Sobre a independência da mídia ou a mídia da independência

Na madrugada dessa sexta-feira, eu estava numa festa do IFCS (Instituto de Filosofia e Ciência Sociais da UFRJ) e conheci um membro da equipe que faz o site do Centro de Mídia Independente do Brasil. Achei o projeto muito interessante e, como eu nunca tinha ouvido falar pedi pra ele me explicar como funcionava.

Qualquer um pode publicar no site. Você não precisa nem se identificar. O que existe é uma política editorial que basicamente permite que o coletivo editorial do site esconda artigos indesejados, que firam os interesses dos organizadores. Esses artigos podem ser lidos numa parte do site que se chama "Artigos Escondidos", mais conhecida como "Lixo Aberto".

O que são (mais ou menos) os artigos indesejados: bobagens completas (xingamentos e piadas de mal gosto), repetidos, mensagens de contato com os membros do coletivo editorial, textos preconceituosos (homofóbicos, sexistas, racistas, fascistas etc), textos de cunho religioso, ameaças a grupos específicos, divulgações comerciais e, finalmente, textos que sejam contra a política editorial anticapitalista. Isso aqui é um resumo do que está escrito na página. Para quem ficou interessado, ou pelo menos curioso, é legal visitar o site.

De início eu não gostei disso. Para mim, tudo tinha que ser publicado. Não importa o que se escreva, se é independente, não depende de nada - nem de política editorial, certo? Por que esconder os artigos, então?

O cara com quem eu conversei, o muito simpático Marcelo, me disse que eles enfrentam muito processos por causa desses artigos. Existem pessoas que publicam textos obviamente homofóbicos, por exemplo, e depois processam o site por homofobia. A equipe do CMI, a partir do momento em que permite que todos publiquem, tem que se responsabilizar por tudo o que consta na sua página.

Ele disse que a equipe gasta muito dinheiro com esses processos e que é muito difícil se defender de um processo que te acusa de homofóbico quando você não é. Na verdade, você acaba lutando, sob várias formas grotescas, pela liberdade de expressão. É uma ótima causa, mas, por seus custos, pode inviabilizar o projeto. Colocando na balança, é melhor ficar com os artigos escondidos e enfrentar menos processos.

O CMI enfrenta também outros processos, quando publica textos, digamos, polêmicos. Defende a voz dos movimentos sociais, de minorias diversas e dos que dizem aquilo que todos deveriam saber, mas não sabem para que certas pessoas possam dormir em paz em seus lençóis de algodão egípcio.

Muito bom! É uma grande e perigosa luta que ótimas pessoas estão dispostas a lutar.

Agora... Vamos pensar.

O CMI é mídia independente?

Ou é mídia alternativa?

Eu discuti muito com o Marcelo sobre isso. Eu acho o projeto de um valor invalorável, no entanto não acho que possa ser chamado de independente. Se depende de alguma coisa, não é independente. O que eles fazem ali, na minha humilde opinião, é mídia alternativa, ou seja, mídia que não é grande mídia, que não está ligada aos interesses que normalmente prevalecem na ordem de praticamente todas as coisas, na ordem capitalista das coisas.

Não existe mídia independente, assim como não existe ser-humano independente. Existe, sim, a mídia que tenta mostrar diversidade de pensamento. Existe, de repente, permitir que as pessoas escolham o que querem ler, ver e ouvir. Conceder o poder de escolha ao leitor/espectador/ouvinte é o máximo que um meio de comunicação pode fazer. Não é?

Contudo, as pessoas normalmente têm preguiça de escolher suas informações. É mais fácil comprar seu jornalzinho todo dia e simplesmente acreditar que os editores dele fizeram ótimas escolhas de verdades a serem acolhidas por você.

É muito chato aquele negócio de ter que escolher entre o Obama e a Hillary. As pessoas querem mais é que o jornal escolha pra elas. Tem gente que nem entende qual é a diferença entre escolher e ser escolhido, e a vida é tão difícil que é mais fácil não saber. As pessoas “lavam suas mãos” e “seja o que Deus quiser”.

Acontece que os grandes jornais estão ligados às grandes empresas (por causa de anúncios etc.) e todos os grandes têm interesses específicos que muitas vezes vão exatamente contra os dos pequenos que, inevitavelmente e quase que por definição, são maioria. Então, o jornalzinho acaba publicando apenas aquilo que você pode saber sem ferir os interesses dos grandes, para que exista algum tipo de ordem. E a ordem é quase sempre prejudicial a algum grupo.

Seria muito complicado que todos soubessem que os rios, lagoas e praias do Rio são sujos porque alguns prédios de classe média, para economizar, em vez de ligarem os canos de esgoto ao esgoto, ligam ao sistema de escoamento pluvial. A água da chuva, que não é tão suja, vai para as lagoas, rios e mares e junto com ela vai o excremento de várias pessoas que ignoram o destino de suas fezes porque confiaram nas escolhas dos empresários que as representam. Por exemplo.

Existem muitas pessoas que não gostam dessa imposição de interesses tão subliminar. O que elas fazem? O CMI, por exemplo.

Só que aí, por repúdio ou mágoa desses grandes que tanto escondem dos pequenos, ou ainda por outras inúmeras razões que eu nem sei citar, as pessoas que não gostam da ordem impositiva das coisas acabam por esconder informação e opinião que estejam confortáveis nela. Ou seja, acabam fazendo escolhas pelos seus leitores/espectadores/ouvintes.

Não que eu concorde com o Olavo de Carvalho, ou com o Mino Carta, mas ambos merecem ser ouvidos e, assim, escolhidos.

Quem dera se um meio de comunicação pudesse juntar opiniões diversas sem ser processado, crucificado, humilhado e cuspido. Assim, seria possível que se questionasse tudo e todos para que possamos entender por que tanta gente usa calça legging e por que quem não usa muitas vezes gostaria de ir pra Cuba.

sábado, 31 de maio de 2008

O que escrever num blog?

Antes de começar a escrever num blog, eu queria a resposta para uma das muitas questões que confundem a minha cabeça em relação a esse assunto. Eu não sei o que se escreve num blog. Tá, tudo bem, “qualquer coisa”, vão dizer. Mas qualquer coisa, qualquer coisa MESMO? Mais ou menos, qualquer coisa que desperte o mínimo interesse nas pessoas que irão lê-lo.

Como eu vou saber o que provoca interesse nas pessoas que vão ler o meu blog? Eu nem as conheço, qualquer desconhecido pode entrar e ler. E as pessoas que vão ler provavelmente têm interesses completamente diferentes: uns preferem textos fictícios, outros preferem textos informativos; uns preferem textos mais formais, outros menos; uns preferem temas mais cotidianos, outros gostam de assuntos mais acadêmicos; uns preferem coca-cola, outros guaraná, uns preferem os maias, outros os astecas, uns preferem Obama, outros Hillary, e por aí vai.

Com pessoas tão diferentes lendo o que você escreve, é natural que você não se sinta seguro em escrever absolutamente nada. Quando se começa a escrever num blog, se espera que as pessoas gostem do que você escreve. Mas como juntar em um único texto o que te agrada escrever e o que as pessoas gostariam de ler? Tem esse cara, um desses primeiros colocados em rankings de blogs (acho que ele é português), que parece escrever exatamente coisas pelas quais o seu público se interessa sem perder a sua individualidade. O nome dele é Marco Bitaites, e o que eu mais gostei no blog dele é que tem até um slogam. O slogam, muito pra cima aliás, é “Marco Bitaites: um blogue indiscutivelmente querido”. O Marco domina a arte de blogar, ele tem até um texto que se chama...hm... “A Arte de Blogar”. Nesse texto, ele diz algo muito importante, e eu vou copiar e colar aqui: “Se só estás preocupado em agradar a quem te visita, o blogue deixa de ser teu. Se não és perfeito, porque razão o teu blogue há-de ser?”. Bonito, né? Fiquei com vontade de ser um Marco Bitaites, de ter sua auto-estima e escrever em português de Portugal nesse blog.


Mas voltando nesse negócio de não saber o que escrever, eu até pensei em fazer uma pesquisa para definir o meu público alvo, dessas que as empresas de publicidade fazem, mas como eu não tenho público nenhum ainda, muito menos “alvo”, e não faço a menor idéia de como fazer uma pesquisa dessas, eu desisti e resolvi tentar descobri eu mesma o que seria interessante escrever.
Aí eu meio que desanimei quando eu me deparei com um texto num blog que se chama “Razões pelas quais eu não leio o seu blog”. A primeira das razões desse blogueiro (e pelo visto de muitos outros especialistas nesse assunto) para não ler o meu blog é: “O seu blog não tem um feed RSS”. Que decepção me bateu! Eu não faço a menor idéia do que seja um feed RSS, eu nunca tinha ouvido falar num feed RSS, mas pelo visto todo mundo tem que ter um desses. Que mundo cruel, esse dos blogs! Se você não tem um feed RSS, as pessoas simplesmente cagam para o que você escreve, por mais interessante que seja.


Mas essa foi só a primeira das minhas desilusões, pois eu continuei lendo as razões do cara. Descobri que com certeza eu vou fracassar, não só por causa do maldito feed RSS, mas também porque eu não tenho permalinks, eu não tenho um blogroll, e eu não tenho a maioria dos aparatos que (todo mundo sabe) são necessários para um blog decente.


O que fazer agora que eu saí do mundo da ignorância e conheço tudo o que é necessário para ter uma vida feliz e de sucesso com o seu blog? Talvez me regulamentar quanto a isso, fazer tudo o que é necessário para estar de acordo com a lei dos blogs, talvez assinar alguns papéis que comprovem o meu comprometimento com a vida blogueira.

Talvez não. Talvez o que eu deva fazer é ligar o foda-se e não me importar com as regras que já estão aí. A boa é escrever qualquer coisa e não se importar em viver a vida marginal de quem não tem um feed RSS. Quem sabe um dia eu ainda consigo um slogam para esse blog. Aceito sugestões.

quinta-feira, 29 de maio de 2008

Eu estou de flosô, tu estás de flosô, eles estão de flosô...

Para quem não sabe, aí vai uma demonstração do que significa "flosô":



Para quem ainda não entendeu, ou quer uma explicação mais literal (li-te-ral-men-te), flosô é uma gíria originária do francês que significa "estou por cima da carne seca", ou ainda "estou de folga" (no sentido vagabundo da coisa). Esse último significado não tem nada a ver com o vídeo na verdade.

Querem a verdade?...

Eu coloquei o vídeo porque acho maneiro. Ponto.

É isso aí, galera!