Pesquisar este blog

quarta-feira, 4 de junho de 2008

Joanna e o cigarro

Joanna saiu sem isqueiro de casa. Só percebeu isso quando tirou o maço de Carlton vermelho da bolsa e procurou pelo fogo desesperadamente três vezes em todos os nove bolsos de sua calça bag. Quando se convenceu de que de fato havia esquecido o isqueiro em casa, deu um longo suspiro, ergueu a cabeça e pensou “pelo menos não é o cigarro”. Sem dinheiro para comprar até mesmo uma caixa de fósforos na banca de jornal, Joanna ligou o radar que só quem sai de casa sem isqueiro tem para encontrar alguém com fogo para o seu cigarro. Caminhou dois quarteirões inteiros sem avistar uma possibilidade sequer para solucionar o seu problema, dentre as pessoas que caminhavam de um lado pro outro na Visconde de Pirajá. Ninguém fumava naquele domingo. Resolveu andar mais um pouco, afinal, nunca tinha muita gente fumando entre a Aníbal e a Maria Quitéria mesmo. Mais um quarteirão pra frente e nenhum sinal de fumaça. Na Joana Angélica, teve a brilhante idéia de acender seu cigarro com o isqueiro da banca de jornal. Como não tinha pensado nisso até agora? Ao procurar do lado de fora da banca pelo isqueiro e não achar, perguntou, entre os dentes e o cigarro que estava na boca, ao dono da banca: “O senhor tem fogo?”. Ao que ele respondeu secamente: “Não tenho, não.”. Como não tem? Toda banca tem isqueiro. “Tem não, minha filha. Você está enganada. Nenhuma banca tem isqueiro”. Depois desse comentário do jornaleiro, Joanna saiu soltando fogo pelas ventas e amaldiçoando toda a vida útil daquela banca de jornal desprezível e todos os seus seguintes jornaleiros, mesmo não tendo eles nada a ver com a falta de tato do jornaleiro atual. Resolveu seguir para o mar, ali mesmo, na Joana Angélica, para que a brisa refrescasse suas idéias e, é claro, para ver se finalmente conseguia a simples tarefa de acender seu cigarro no calçadão ou na areia. No calçadão, pessoas saudáveis malhavam seus corpos em busca de uma juventude perfeita e de uma velhice tranqüila. Não abordaria ninguém para não correr o risco de levar uma pedra portuguesa na testa. No quiosque, a vendedora lhe dirigiu um olhar de desprezo, quando questionada. Joanna estava pronta para rebater a falta de educação da mulher, quando um cheiro de marola convidativo lhe levou à areia. Ah, alguém usou fogo para queimar isso aí, ah, se usou, pensou ela. Tirou os chinelos e desceu para a areia, usando todo o seu olfato e visão para acabar logo com aquela palhaçada e acender seu cigarro. Rodou por 15 minutos, panturrilhas já doloridas por causa da areia fofa, mas não achou nenhum cigarro aceso. Ou o que quer que fosse, aceso. Que se dane, pensou ela. Vou voltar pra rua, com certeza eu encontro em outra banca de jornal.

E assim fez. Até o final de Ipanema, naquela tarde de domingo, nenhuma banca, nenhum boteco e nenhum estabelecimento possuíam fósforos ou isqueiros.
Joanna, mais desesperada do que nunca, desacreditada daquela situação estranhíssima, mas nunca perdendo a esperança, teve uma idéia: perguntar aleatoriamente às pessoas, mesmo que nenhuma estivesse fumando naquele momento, se, por acaso, quem sabe, talvez, elas não teriam fogo. Mas que idéia infeliz, essa de Joanna, pois todas as pessoas para as quais ela perguntou, sem exceção, deram-lhe uma resposta grosseira na cara. Joanna ouviu treze vezes “Não fumo, não, querida, graças a deus”, quarenta e cinco “Cruz credo, cigarro mata, minha filha” e cento e três vezes “Pára de fumar, menina”. A agressividade dos transeuntes de Ipanema provocou em Joanna, cigarro na orelha, mais raiva ainda, e quase estourando, desistiu, decidindo ir para casa acender lá mesmo.

Quase chegando na esquina da Garcia D`Ávila, o que há um segundo atrás Joanna considerava impossível, aconteceu. Um homem, recostado num prédio de grades, fumava. Joanna correu afobada em direção a ele e, tirando o cigarro da orelha, desatou a falar:
- Ai, graças a Deus encontrei um fumante por aqui. Você acredita que tem duas horas que eu tento acender esse mísero cigarro e não consigo? Esqueci o isqueiro em casa e parece que ninguém mais fuma nesse mundo, é incrível! Além disso, as pessoas me olham estranho quando eu pergunto por fogo, como se eu fosse a única fumante do planeta, como se eu fosse um bicho, uma aberração. Tô falando demais, né? Desculpa, é que eu tô nervosa, o dia hoje foi muito esquisito pra mim, saí pra rua pra dar uma caminhada e só o que eu tenho feito é procurar fogo pra acender meu cigarro. Mas deixa pra lá, finalmente eu te achei, você pode me emprestar teu cigarro pra eu acender??
O homem, que ouviu aquilo tudo calado, agora deu uma tragada longa em seu cigarro de filtro amarelo, jogou a fumaça na cara da moça e falou:
- Que cigarro? Tá me achando com cara de fumante? Eu não fumo não, minha filha, graças a deus! E você devia parar porque isso é veneno, VE-NE-NO!
Joanna se afastou calmamente, virou-se para a rua e, vencida pelo cansaço, respirou fundo o ar da Visconde de Pirajá.

Até que era bom.

Joanna hoje foi engolida pelo movimento anti-tabagista de seu bairro. Agora, em vez de tragar fumaça do cigarro, traga fumaça dos carros de Ipanema.

7 comentários:

Manuela Andreoni disse...

Que história triste de adaptação aos humores escrotos da sociedade!

Maurício Meireles disse...

Esse blog é de perder o chinelo. Descobri por acaso, vou colocar um link no meu -- e voltarei. *risada diabólica*

Anônimo disse...

Coitada da Joanna!!
Hahahahaha Prima, vc eh demais!!
Beijos beijos para as duas!

Maurício Meireles disse...

Em tempo: vcs precisam de um feed RSS. Mesmo.

Maurício Meireles disse...

Procure no youtube por "RSS in plain english"

luizayabrudi disse...

manuela, faz isso q o mauricio falou.
eu lavo minhas mãos. (sempre quis falar isso!!)

Anônimo disse...

aaai que leitura agradável!!